terça-feira, 18 de maio de 2010

Pelo direito ao sim

Quem me conhece sabe que eu defendo direitos iguais para todos, independentemente da orientação sexual. Parece discurso pronto, mas tento mostrar, por meio das minhas matérias, que as pessoas não podem ser julgadas a partir de quem amam. O amor é um mistério e precisa permanecer assim. Se a gente tenta explicar demais, não chega a lugar nenhum e tira toda a magia da coisa. Se somos seres humanos, porque os direitos não são iguais? Porque falta iniciativa de quem pode: os políticos. Não só pra isso, infelizmente, mas pra muitas outras coisas.

Conheci o Luiz e o Ivan por intermédio do Marcelo Gil, da ong ABCD's, que faz a Parada do Orgulho LGBT de Santo André. Eu já achava o Marcelo um amor, e tinha certeza que amigos dele só poderiam ser do mesmo jeito. O Luiz e o Ivan abriram as portas da casa deles pra mim, me fizeram chá e um lanche de pão de forma com presunto e alguma coisa que eu não sei o que era, mas que estava muito, muito boa mesmo. Me mostraram os álbuns de fotos deles, me contaram suas histórias de vida. Deixei de ser só uma jornalista fria e distante para ser ouvinte, para sorrir com eles das alegrias e lamentar os momentos tristes pelos quais eles passaram em busca da aceitação. No fim, eles me convidaram até para o casamento deles, se um dia eles puderem se casar oficialmente.

Essa matéria não foi publicada ainda, e não sei quando vai ser, mas vocês poderão ler primeiro aqui (parece propaganda, né? O marketing é tudo! srsrsrsr). Repassem, porque um tiquinho de consciência não faz mal a ninguém.

Pelo direito ao sim

Projeto de lei do deputado José Genoino (PT) pode ajudar casais homossexuais a oficializar o relacionamento perante a lei

Por: Camila Galvez

Foto: Luciano Vicioni


A chácara foi decorada especialmente para a ocasião. O perfume das flores enche o ar e traz ao coração de quem o sente sensações de paz e prosperidade. A decoração não foi escolhida ao acaso, mas tem o toque e o jeito do casal. Enquanto a marcha nupcial ecoa pelos ouvidos dos convidados, ambos entram lado a lado vestindo ternos requintados enfeitados com pedras de strass. Sim, ambos vestem ternos, porque Ivan Batista Ferreira, 33 anos, e Luiz Fernando Albertino, 27 anos, são homens. E vivem juntos há quase 13 anos.

A cena acima mora na imaginação de Luiz, que a descreve com brilho nos olhos. Ele e Ivan gostariam de oficializar o relacionamento, que começou num bar em Sorocaba, no interior de São Paulo, e veio parar em Santo André, com o salão de beleza que mantêm juntos. No entanto, a lei sobre união civil que vigora hoje no país não os inclui. Exclui.

Atualmente tramita na Câmara Federal, sem data ainda para ser votado, um projeto de autoria do deputado federal José Genoíno (PT) que pode aproximar o casal de seu sonho. O texto não fala sobre casamento, mas sim união civil. Genoíno explica a diferença:

- Trata-se do reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo para fins civis, tais como aposentadoria, pensão por morte, contrato de empréstimos, entre outros. Há pelo menos dez decisões judiciais que reconhecem esse direito no país, mas sem legislação específica, o que faz com que alguns Estados adotem e outros não. Minha intenção é unificar isso e garantir o direito a todos os brasileiros.

Países como Holanda, Bélgica, Canadá, França, Espanha, Uruguai, os estados norte-americanos de Massachussetts e Califórnia e a capital argentina, Buenos Aires, garantem esse direito aos cidadãos. No Brasil, o texto de Genoíno entra nesta semana em fase de debates na Casa. O deputado quer garantir que ele seja discutido em todas as esferas da sociedade antes de ser votado.

A aprovação de Luiz e Ivan o deputado já tem, e a de muitos outros homossexuais, como o presidente da ong ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual), Marcelo Gil. A ong é responsável por organizar a Parada do Orgulho LGBT de Santo André e, neste ano, também realizará o evento em Mauá. Gil lembra que o projeto de Genoíno oficializaria o que já é um direito de qualquer cidadão.

- Hoje o grupo LGBT tem 37 direitos negados pela Constituição Federal. Vivemos num Estado laico e uma lei desse tipo garantiria apenas que nossa vida fosse igual à dos outros brasileiros, que podem escolher um parceiro sem que o desejo sexual interfira no cumprimento dos direitos humanos. Também somos humanos, que o poder público não se esqueça disso.

Uma casa para dois

Na prática, a vida de Ivan e Luiz já é um casamento. Na mão esquerda de cada um há uma aliança prateada com um filete dourado no centro, presente de uma das funcionárias do salão de beleza. A casa com sala de parede vermelha, enfeites coloridos, um sofá listrado de roxo e branco, abriga uma família. O casal cria a sobrinha de Luiz, Tainá, desde os dois anos de idade. Na residência ainda convivem em harmonia inacreditável oito cachorros, três tartarugas, um passarinho e um gato, que descansa no meu colo enquanto tomamos chá e conversamos.

- Passamos 24 horas juntos. Moramos aqui, trabalhamos no salão. Acho que a gente só fica sozinho mesmo quando está dormindo.

Luiz conta que é assim desde que o acaso colocou os dois no mesmo barzinho, em Sorocaba. Vinte dias depois do encontro fatídico, ele já estava com as malas prontas para morar com Ivan.

- A casa era uma herança da minha mãe, e eu ia morar com meu pai lá.

Luiz interrompe.

- É, mas o pai dele se casou com outra mulher depois que a mãe dele faleceu e nós acabamos indo para lá. Aos poucos fomos ganhando móveis e utensílios dos amigos e montamos nosso lar.

Mas nem sempre as coisas foram fáceis para Ivan. Aos 18 anos, quando a família descobriu que ele era gay, acharam que era doença. Em tempos difíceis da AIDS, pai e mãe separaram copos, talheres e outros objetos que o filho usava. Entre os nove irmãos, Ivan era visto como aquele que não iria prosperar devido à sua “condição”. Um dos irmãos, inclusive, perseguia o adolescente para bater nele, pensando que assim conseguiria mudar o que Ivan é. Hoje aprendeu a aceitar não somente o irmão, mas também seu próprio filho homossexual. E Ivan provou para a família que podia ser alguém na vida: veio para São Paulo com a cara e a coragem e Luiz a tiracolo.

O início foi difícil, mas hoje tudo é mais tranquilo: o salão tem clientela estabelecida, o casal tem uma casa aconchegante e uma filha para chamar de sua, mesmo que a atual legislação ainda não permita a adoção de filhos por casais homossexuais. O que há é uma determinação judicial, um caso que serve de modelo para que os demais juízes autorizem esse tipo de adoção. Foi assim com um casal de lésbicas do Rio Grande do Sul que ganhou no STJ (Superior Tribunal de Justiça) o direito de adotar duas crianças e dar a elas o sobrenome de ambas.

- Nós queremos adotar mais três. Encher essa casa de bagunça e risada.

Mais um desejo de Luiz que a lei brasileira não garante. Até quando direitos de cidadãos serão negados para o público LGBT? É uma pergunta que os políticos brasileiros precisam começar a se fazer com urgência.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O observador

Fui fazer essa matéria no domingo de Dia das Mães. Acordei as 7h num domingo e fui cheia de pique encontrar o homem que tem um curioso apelido: Toninho das Orquídeas.

A matéria foi publicada aqui. Por falta de espaço na edição impressa do jornal, saiu com meros 1.400 caracteres. Mas pra quem frequenta esse humilde cantinho, há muito mais a saber sobre o tema. Trata-se de um alerta desesperado da mãe natureza. Precisamos ouvi-lo com urgência.

O observador


Para os olhos atentos de Toninho das Orquídeas, as nascentes da Serra do Mar estão sumindo


Por Camila Galvez

Foto: Antonio Ledes


No registro, Antonio Ialago. Na Serra do Mar, Toninho das Orquídeas. Aos 44 anos, magro, alto, bermuda bege de explorador, blusa preta de mangas longas, boné na cabeça e capa de chuva transparente, o homem tipo Indiana Jones sabe bem onde pisar. Não escorrega uma só vez, mas tem de dar a mão a esta repórter em várias ocasiões para evitar que ela se estatele no chão cheio de barro e poças d'água. Toninho pisa no solo escorregadio com a autoridade de quem anda ali desde os nove anos. E também com o desespero de quem acompanhou as mudanças que o clima vem provocando no bioma da Mata Atlântica, já tão ameaçado pelo desmatamento e a ocupação irregular de terrenos.

Antonio Ialago virou Toninho das Orquídeas por tentar proteger as flores que crescem sobre as árvores em direção ao sol, aproveitando-se de seus troncos e galhos para garantir a sobrevivência. Com sua fala rápida e ininterrupta, o ambientalista explica que removeu exemplares da mata para depois fazer a reposição da espécie.

- As orquídeas estavam desaparecendo porque as pessoas retiravam para vender. É difícil criar essa planta, e ela é cara, por isso a ganância do homem destruiu as flores que haviam na natureza. Comecei esse trabalho prevendo que isso aconteceria, portanto, consegui manter algumas unidades e promover o reflorestamento. Foi assim que ganhei o apelido.

Mas nem só de orquídeas vive esse ambientalista. Toninho conhece palmiteiros, ingazeiras, nascentes e riachos e faz um alerta: o aquecimento global está acabando com as nascentes da floresta no entorno de Paranapiacaba e região. A afirmação não é baseada em pesquisas científicas e métodos sistemáticos, mas na pura e simples observação praticada por um homem que nasceu em contato com a mata e que há 22 anos participa da Ong Caneco Verde (Clube dos Amigos da Natureza e da Ecologia), na qual atualmente ocupa o cargo de diretor de reflorestamento. Como um bom estudante, Toninho fez sua lição de casa: decorou a matemática da floresta. Ali, 23 riachos e córregos menos 15 é igual a oito, que foi o número que sobrou em apenas uma das trilhas que Toninho percorre como guia. Outra trilha tem matemática semelhante: oito cursos d'água menos seis igual a dois. Na subtração do homem das orquídeas, 21 nascentes deixaram de existir nos últimos 15 anos. E isso é só o começo.

Percorremos um pedaço de trilha embrenhados na mata. A chuva que cai em pingos finos, mas abundantes, não nos deixa avançar muito pelo barreiro. Em um trecho de cerca de 200 metros, passamos por um veio de água e uma cachoeira. Vejo água em abundância ali. Toninho explica:

- É a chuva. Quando chove a água corre, mas na época da seca o rio desaparece. Mesmo que haja água aqui, o que você está vendo não é nem a metade do que tinha antes.

- E vocês chegaram a medir essa quantidade, Toninho?

- É difícil medir com precisão, porque a região é bastante chuvosa. Mas observamos que os rios vem baixando cerca de 5 centímetros a cada ano. É um número preocupante.

As nascentes abastecem os rios que vão desaguar na represa Billings, o maior reservatório de água da Região Metropolitana de São Paulo, responsável por fazer sair o líquido mais precioso do Planeta Terra pelas torneiras de mais de 1,8 milhão de pessoas. Implantada na década de 1920 para produzir 33 mil litros por segundo de água, a represa está hoje no patamar de 11 mil litros por segundo. Mais uma vez a matemática da floresta entra em ação para constatar que o reservatório opera com apenas 1/3 da capacidade inicial. Os motivos? Poluição das águas por esgoto doméstico e industrial e o desmatamento, responsável pelo assoreamento e desaparecimento de nascentes d'água que alimentam o reservatório. Quem diz isso não sou eu nem Toninho, e sim o Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), que realizou pesquisa sobre o tema em 2008.

Um exemplo da redução do volume de água dos rios que abastecem a represa pode ser visto na Fazenda Taguaruçu, território localizado no município de Mogi das Cruzes. É nela que, ao lado de uma igrejinha construída pela família de italianos proprietária do terreno em 13 de dezembro de 1945, vemos algo que um dia foi um rio, e hoje mais parece um filete de água que escorre de uma torneira com defeito. Os donos da fazenda construíram um sistema para fazer com que a força da água do rio operasse uma máquina para cortar madeira hidráulica. Hoje a máquina jaz ao lado do chão meramente molhado por onde corre mais água de chuva que de um rio propriamente dito.

- Minha mãe brincava nessa fazenda quando era criança e vivia levando bronca dos caseiros para sair de perto do rio. Era perigoso, porque se alguém caísse nele, poderia se afogar. Hoje não dá nem para molhar os pés.

O sorriso de Toninho é um sorriso triste de quem luta demais e vence pouco. Diante de tanta indiferença, o homem das orquídeas não desiste de fazer seu apelo:

- Precisamos diminuir o uso de combustíveis fósseis e a emissão de gás carbônico na atmosfera. Se não fizermos isso, os rios podem desaparecer, o que prejudicaria nossa própria vida.

O alerta é geral e urgente, mas parece que a população ainda não conseguiu enxergar o que os olhos castanhos de Toninho se cansaram de ver. Será preciso que a torneira seque. E se chegarmos nesse ponto, pode ser impossível voltar atrás.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Central do Brasil é aqui

Vocês conseguem imaginar que, em plena era da Internet, com e-mail, Orkut, Twitter, Facebook, Skype e tantas outras formas de se comunicar, ainda existe gente que escreve cartas? Pois a arte de colocar as letras no papel continua viva, e tem muita gente que recorre a ela. Exemplo disso é o serviço prestado pelo Poupatempo no programa Escreve Cartas, que auxilia aqueles que têm dificuldades com a escrita. O programa foi criado após o sucesso do filme Central do Brasil, no qual a personagem de Fernanda Montenegro, Dora, escreve cartas em uma das mais importantes estações de trem do país.

Abaixo a história de três voluntárias super simpáticas e uma mulher cheia de esperança.

E para quem não assistiu ao filme, pode ter um gostinho nesse link.


A Central do Brasil é aqui


Na era da Internet, programa Escreve Cartas do Poupatempo de São Bernardo ajuda quem tem dificuldades com a escrita



Foto: Amanda Perobelli

Maria Luzia Barros Mendonça não se lembra exatamente quantos anos tinha, mas lembra-se bem de quando começou a escrever. Na época, a menina Maria morava na Mooca, bairro da Capital, com a mãe Olívia, analfabeta. A avó Afonsina vivia longe, no município de Mococa, interior de São Paulo, e Maria ri da cacofonia dos nomes do bairro em que passou a infância e a cidade que deu origem a sua família. A menina que começava a conhecer as letras escrevia cartas para a avó, a pedido da mãe. Quando os vizinhos descobriram, os serviços de Maria ganharam o bairro e a letra da simpática negra passou a viajar, fechada em envelopes, para diversos lugares do Brasil.

Hoje, aos 71 anos e vivendo em São Bernardo, Maria encontrou seu lugar: é uma das 29 voluntárias do Programa Escreve Cartas, da unidade do Poupatempo do município. Mais quarenta vagas estão atualmente abertas para interessados em participar do programa. Em plena era da Internet e das comunicações rápidas, homens e mulheres auxiliam quem tem dificuldades com a escrita a se comunicar.

A “escrevedora” Maria é também uma “faladora”. Gosta de conversar e não tem tempo para ficar parada. De pele negra, óculos no rosto e um tiquinho de vaidade nos anéis e pulseiras com temas religiosos, Maria tem riso e verbo solto.

- Sou voluntária no Poupatempo e também participo de trabalhos em outras entidades. Moro há 30 anos em São Bernardo e amo essa terra. Meus cinco filhos já me deram oito netos e dois bisnetos, tô de família criada. Agora quero ajudar os outros e, graças a Deus, sou uma mulher muito letrada, adoro ler e escrever. Assim fica fácil, né?

Maria faz parte da primeira leva do programa, que começou em 2008 na cidade, mas funciona há oito anos em outras unidades do Poupatempo. O índice de analfabetismo em São Bernardo é baixo se comparado ao das cidades da região Nordeste do país. No município do ABCD, 5% da população, ou seja, ao menos 40 mil pessoas, são praticamente cegas para as letras. Há ainda o que a educação chama de analfabeto funcional, que é a pessoa que frequentou a escola, mas não aprendeu o que deveria aprender. Esses não estão computados, mas também existem e precisam de ajuda para escrever suas cartas. São eles que Maria gosta de ajudar, assim como Dina Fernandes Chagas, que também faz parte da primeira turma de voluntários do programa.

- Assisti o filme Central do Brasil, com a Fernanda Montenegro, e fiquei louca, menina! Na hora quis procurar um lugar para ajudar os outros a escrever cartas. Soube do programa, mas na época ele só funcionava em São Paulo. Foi uma alegria quando vi um anúncio no jornal que o Poupatempo da minha cidade estava selecionando voluntários. Me inscrevi correndo.

Dina me revela sua idade ao pé do ouvido, mas não quer que eu conte aos leitores, desculpe. Posso dizer que ela parece mais nova do que realmente é, com seus cabelos loiro-claros, seus brincos, anéis e pulseiras feitos com capim dourado e seu vestido preto com miçangas marrons ao redor do decote. Pergunto se ela se identifica com Dora, a personagem de Fernanda Montenegro em Central do Brasil, filme de 1998 que conta a história de uma mulher amargurada que escreve cartas na estação de trem carioca até conhecer um garotinho capaz de fazê-la colocar o pé na estrada para ajudá-lo a reencontrar seu pai. Quem responde é outra escrevedora, Sônia Maria Cesari, que como Dina não revela quantos anos tem.

- Nós gostamos da Dora, mas somos mais importantes que ela. Aqui a gente escreve e manda a carta de graça, no filme ela escrevia e depois rasgava.

As “escrevedoras” de São Bernardo se envolvem mais com as histórias das pessoas para quem servem de mão e cérebro do que a Dora de Central do Brasil. Não chegaram ainda a sair rumo ao Nordeste para ajudar alguém, mas apenas o fato de ser um ouvido amigo, disposto a beber palavras como se bebe água, torna-as verdadeiras psicólogas, com uma vantagem: não cobram nada pelo tempo que disponibilizam.

- Trabalhei como educadora durante 31 anos e me sinto realizada aqui. Certa vez um rapaz da Paraíba nos procurou porque queria escrever uma carta para algum programa de televisão para que custeassem a viagem de volta para a terra onde ele nasceu. Ele veio andando do bairro Taboão até aqui e chegou sem dinheiro, morto de fome, coitado! Nesse dia foi só a primeira carta que ele escreveu. O homem passou um tempo morando em abrigos de São Bernardo e retornando sempre para pedir que escrevêssemos outra carta para ele. Ficamos muito felizes ao saber que ele finalmente conseguiu uma passagem para voltar para casa. São histórias desse tipo que fazem esse trabalho ser tão gratificante.

Voz a quem não tem

Ao contar a história do paraibano, a “escrevedora” Sônia Maria Cesari citou apenas um dos trabalhos feitos pelo programa oferecido no Poupatempo de São Bernardo e em outras quatro unidades, duas na Capital e duas na Grande São Paulo. Além de escrever cartas para parentes e programas de televisão, as pessoas procuram os voluntários também para preencher formulários, elaborar currículos e ter voz diante das autoridades. É o caso da dona de casa Alexandra Aparecida da Silva, 33 anos, que decidiu mandar uma carta para o secretário de Saúde de São Bernardo, Arthur Chioro. Tímida, Alexandra se aproximou sem conhecer direito o serviço, mas ficou sabendo que ali poderia enviar a correspondência ao titular da Pasta no município.

Há cinco anos Alexandra acorda 4h20 da manhã para levar o filho ao Hospital São Paulo, onde o menino de 13 anos recebe tratamento gratuito para a doença. No entanto, tem de pagar o transporte que os leva até lá. Sem emprego fixo, depende de bicos para se manter. A mão leve de Dina, com as unhas pintadas de um vermelho vivo, percebem a dor na voz contida de Alexandra. Dina também é mãe de um menino e entende a preocupação da mulher sentada diante de si. A identificação fica fácil e a letra trabalhada e desenhada de Dina desliza fácil pelo papel pautado.

Ilustríssimo senhor Arthur Chioro, digníssimo secretário de Saúde:


Meu nome é Alexandra Aparecida da Silva, sou moradora de São Bernardo há 33 anos, e estou com sérios problemas de saúde em relação a meu segundo filho, Henrique Roberto. Foi constatado um quadro de fibromialgia. Sabe senhor secretário, o serviço de saúde não dispõe de médico reumatologista e tenho de arcar com os custos do tratamento que meu filho faz em São Paulo. Gostaria que os senhores desse mais atenção para isso. Atenciosamente.


Alexandra Aparecida da Silva

Alexandra suspira quando coloca a carta na caixa de correio amarela ao lado do balcão de atendimento do programa. Seu nome, naquele momento, é esperança. É isso que as “escrevedoras” do programa proporcionam: a crença de que, talvez, um dia, as coisas vão melhorar.