segunda-feira, 4 de abril de 2011

A vida em meio ao nada

Hoje apresento a história do Flávio. Ele e a mãe vivem na Estrada da Pedra Branca, em São Bernardo, em terreno doado pelo antigo proprietário de uma chácara. A chácara foi vendida, eles não tem documentação do imóvel e, por isso, não conseguem receber indenização da Dersa, que retirou de lá os moradores para implantar um parque como compensação ambiental das obras do Rodoanel. E agora eles enfrentam...

A vida em meio ao nada

Família é esquecida em área do futuro Parque Riacho Grande, em São Bernardo

Por Camila Galvez


Foto: Nário Barbosa/Dgabc

O imóvel de número 1.859 da Estrada da Pedra Branca, no Bairro Montanhão, em São Bernardo, pode parecer abandonado, tal como os que resistem de pé em seu entorno. Entretanto, o portão aberto e a figura de boné e blusão recostada ao muro denunciam: ali vive uma família.

Benedita Gonçalves Pereira Peres, 81 anos, e Flávio Eduardo Peres, 44, são mãe e filho. Moram na mesma casa há 16 anos, quando vieram da Vila Gerty, em São Caetano, a convite do antigo proprietário de uma chácara. No terreno oferecido por ele, sem qualquer documentação, ergueram um pequeno imóvel de quatro cômodos.

Há três anos o tormento chegou: as obras do Trecho Sul do Rodoanel trouxeram caminhões carregados de materiais, que provocaram enormes rachaduras nas paredes e agravaram os problemas respiratórios de dona Benedita. “A casa ficava cheia de poeira, e a cama tremia quando os caminhões passavam”, relembra.

Desde que a obra começou, mãe e filho aguardam a hora de serem removidos pela Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), que pretende implantar na área o Parque Riacho Grande, previsto nas compensações ambientais do Rodoanel. Viram vizinhos receberem indenizações equivalentes a R$ 400 mil pelas chácaras que habitavam às margens da represa Billings. Para eles, porém, restaram o isolamento e a insegurança.

A área que antes tinha mais de 20 vizinhos, hoje não tem nenhum. Algumas casas não foram demolidas e, segundo Peres, tem gente entrando para roubar qualquer coisa, de telhas a fiação. Neste cenário, ele abandonou o emprego de vigilante noturno. “Não posso sair para trabalhar, como vou deixar minha mãe sozinha?”.

Quando vai ao mercado para abastecer a casa, geralmente após dona Benedita receber a aposentadoria, Peres faz toda a compra do mês de uma só vez. “Aqui não tem mercado nem padaria. Não lembro a última vez que comemos pão francês. De vez em quando os pescadores traziam pra nós, mas agora até os barcos estão rareando”, disse.

Distâncias
Depois de caminhar por 20 minutos, Peres finalmente chega ao ponto de ônibus, na Estrada do Montanhão. Dali é mais meia hora até chegar ao Jardim Silvina, onde costuma fazer compras. “Quando chego, ligo pra minha mãe pra saber se ela está bem”, garantiu. Depois, é o supermercado quem entrega as mercadorias.

De repente, uma surpresa: o caminhão de lixo da Prefeitura de São Bernardo cruza a estrada deserta e recolhe os sacos plásticos da casa de Peres. “Eles ainda passam por aqui. E o carteiro também. O telefone funciona. E a televisão. São as nossas distrações”, comentou.

De vez em quando ele também aproveita o tempo bom para pescar nas águas da represa. “Quando cheguei, isso era o paraíso. Agora se tornou o inferno”. E pior: ele não tem ideia de quando vai sair dali. E nem a Dersa, que afirmou estar em negociação com a família, sem prazo para a remoção, embora o cronograma aponte que o parque chegará em maio.