A vida pela metade
Prédios inacabados no Jardim Kennedy, em Mauá, também são invadidos
Por: Camila Galvez
Fotos: Orlando Filho
Ivone Santos Pereira tem 32 anos e quatro filhos. Mas não tem uma casa. Ela e mais 40 famílias invadiram um conjunto de sete prédios inacabados no topo de um morro no Jardim Kennedy, em Mauá. É a segunda invasão de unidades habitacionais inacabadas no bairro neste ano.
Ali, homens, mulheres e crianças sobrevivem há dois meses carregando baldes de água da rua. Tomam banho de canequinha. A geladeira de Ivone está desligada, pois não há energia elétrica. Para as necessidades fisiológicas, baldes e sacos de plástico servem de vaso sanitário.
Valéria Pedra, 31, é vizinha de Ivone. Mora no terceiro andar do prédio que deveria ter ao menos cinco. Para chegar ao apartamento de quatro cômodos que transformou em lar, improvisou uma escada de madeira. A de concreto, que daria acesso aos andares mais altos, não foi concluída antes das obras serem embargadas, em fevereiro de 2009.
É por essa escada de madeira que Valéria e seus filhos conseguem entrar em casa. Por ela sobe também o aposentado João Teixeira de Oliveira, 69 anos, operado do intestino, com pressão alta e gota. "Ás vezes meu joelho dói tanto que tenho que descansar um pouco entre um degrau e outro".
Para chegar ao quarto andar, é preciso escalar as paredes. As crianças sobem com facilidade. Já os adultos são mais cautelosos, afinal, a queda seria fatal. O quinto andar do prédio não pode ser habitado, pois não há cobertura.
Das janelas improvisadas com madeirite, Ivone, Valéria e seu João vêem a outra invasão, na parte de baixo do morro. São 42 imóveis ocupados desde o início deste ano por famílias que vieram de áreas de risco da cidade. As casas são alvo de reintegração de posse. As famílias, com suas 150 crianças, ficarão sem um teto a partir do dia 15 de junho.
FUTURO
Já o destino das que estão nos prédios é incerto. O motorista Luiz Pereira, 46, vive em uma das seis unidades que tem apenas dois andares. De cima do morro, avista a área onde ficava seu barraco. Há três anos, ele e a esposa Maria de Jesus Ferreira, 52, foram removidos depois que o chão da casa de madeira afundou.
"Na época nos prometeram bolsa aluguel. Pagaram por três meses. Depois, fiquei por mim mesmo". A área de risco foi ocupada por outras famílias, que ergueram novamente seus barracos à espera da próxima chuva.
As famílias não sabem dizer quem são os donos dos prédios da parte de cima do morro, que estava abandonado e servia de abrigo para usuários de droga e criminosos, assim como as casas da parte de baixo do morro.
ESPERA
Mas a Prefeitura sabe: a construção dos prédios foi barrada após o TCE (Tribunal de Contas do Estado) constatar irregularidades na licitação.
As 64 unidades habitacionais que deveriam ser erguidas ali são para famílias como a de Luiz, que vieram do próprio Jardim Kennedy. E que continuarão na espera por um lar até que a Caixa libere a obra.
A espera, no entanto, pode ser na rua, pois a Prefeitura entrou com pedido de reintegração de posse.
As famílias do topo do morro podem ter de voltar para a parte de baixo do morro a qualquer momento. É assim a vida no abismo. É assim a vida no Jardim Kennedy.