segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O menino que morreu de dor de ouvido

Olá, pessoal, como estão todos? Algumas decepções me fizeram deixar de lado por um tempo esse espaço. Mas como a vida tem de seguir, e a minha paixão pelo que faço também, vou tentar retomar aos poucos as matérias que realmente valem a pena, as histórias que precisam ser contadas.

Hoje deixo para vocês um caso revoltante, de cortar o coração. Admiro a família, que não se calou diante do que aconteceu, mas que teve a coragem de dividir sua história com outras pessoas como uma forma de alerta. Aguardo opiniões sobre o assunto.

O menino que morreu de dor de ouvido


Pedro Henrique gostava de animais, política e previsão do tempo. Aos 10 anos, ele deixou a vida após complicações ocasionadas por uma otite


Camila Galvez
Fotos: Denis Maciel/Dgabc

“Mãe, eu to cansado”. Os olhos de Pedro Henrique Conceição Alves Pessoa, 10 anos, estavam fundos, sem brilho. A mãe do menino, Rosimeire da Conceição, 39, pedia, com o coração apertado: “Filho, você tem que reagir”. Ele não sentia vontade de comer. O garoto antes tranquilo, de sorriso tímido e bochechas fofinhas, que adorava animais e sonhava em ser prefeito de Indaiatuba, parecia mais velho e fraco. Estava internado há uma semana. Já havia passado por quatro hospitais. Passaria por mais um antes do diagnóstico final: trombose venosa e isquemia cerebral extensa, como complicação rara e gravíssima de otite. “Meu filho morreu porque ninguém tratou a dor de ouvido.”

A triste história de Pedro Henrique, que deixou a vida no último domingo, começou há cerca de seis meses, quando o menino chegou em casa reclamando de dor no ouvido direito. A mãe levou o filho à Unidade Básica de Saúde do Jardim Zaíra, onde vive a família, numa casa modesta. Lá, o médico receitou Amoxilina, um dos antibióticos mais comuns para tratamento de diversas infecções.

Passaram-se 15 dias e Pedro Henrique parecia bem. Voltou a brincar, foi à escola, fez festa para o cãozinho Cadu e bateu palmas para o Louro, o papagaio que só deixava o menino chegar perto, e mais ninguém. Consultou a previsão do tempo pela Internet, como gostava de fazer, e contou para todos que faria sol e calor. Ele enfrentaria a tempestade sozinho.

A dor de ouvido voltou forte alguns dias mais tarde. O pai de Pedro Henrique, o técnico em telefonia Antônio Alves Pessoa, 45, tem convênio empresarial da Intermédica e a família resolveu levar o filho no hospital Cema, na Capital, especializado em Otorrinolaringologia (garganta e ouvido). “Lá me disseram que era uma infecção normal, coisa de criança, e vieram com amoxilina de novo.”

Ao longo de seis meses, Pedro Henrique cansou de passar por consultas em diversos hospitais e clínicas do convênio. Foram 11 no total, e nenhum médico pediu exames detalhados para tentar descobrir porquê a infecção de ouvido não melhorava. Tampouco trocaram a amoxilina por um antibiótico mais forte. Enquanto isso, o menino não queria ir para a escola. “Ele tinha vergonha porque saia pus e sangue do ouvidinho, além da dor.”

PNEUMONIA
Domingo, 16 de outubro. Enquanto as crianças do Zaíra aproveitavam o dia de sol para brincar na rua, Pedro Henrique ardia em febre e vomitava tudo o que comia ou bebia. Sua boca se encheu de feridas e ele não queria sair da cama. No desespero, a família, que é católica, levou o menino à Igreja Evangélica. “Achamos que poderiam fazer algo por ele, ter fé nunca é demais”, disse a tia do garoto, a vendedora Maria do Carmo Conceição, 44.

A fé, porém, não foi suficiente. Na segunda-feira, Pedro Henrique acordou pior. Não quis entrar no computador para ver a previsão do tempo, como fazia sempre. Não ligou para o Cadu, que balançava o rabo querendo brincar. Antonio precisou carregá-lo no colo para a Santa Casa de Mauá. Só ali, ao ver o estado do menino, pediram exames de urina, sangue, raio-X do abdômen e pulmão. Pedro Henrique estava com pneumonia.

A seguir, a família viveria uma sucessão de fatos que classifica como negligência e erro médico. Mãe, pai e tios tem certeza que a morte de Pedro Henrique poderia ter sido evitada. “O Pedro Henrique era meu tesouro. Ele não gostava, ficava bravo quando eu chamava ele de tesouro. Agora sei que é isso mesmo. O nosso tesouro se foi”, lamentou o motorista de ônibus Arnaldo Alves Pessoa, 35, tio do garoto.

TRANSFERÊNCIAS
Da Santa Casa de Mauá, Pedro Henrique foi transferido para o Hospital São Bernardo. “Demorou duas horas para a ambulância chegar, e meu filho vomitando sem parar.”

Quando chegou ao hospital, os médicos avaliaram que o menino precisava ser internado imediatamente na Unidade de Terapia Intensiva. A Intermédica, porém, não cobria o tratamento ali, apenas a parte de pronto-socorro. Ele teve de ser transferido mais uma vez.

Foi parar no Hospital e Maternidade Sacrecoeur, na Capital, mas ali ficou num quarto. “Deram soro e mais antibiótico. E o médico avisou que estavam aguardando vaga na UTI”, explicou a mãe.

A UTI, porém, não era naquele hospital, mas sim no Renascença, em Osasco, há 51 quilômetros de onde a família vive. Porém, Rosimeire só se deu conta disso, quando, às 21h, foi avisada por uma enfermeira de que o filho aguardava nova transferência. Desesperada, aos prantos, a mãe ligou para a irmã, Maria do Carmo, que fez um escândalo com o convênio. “Falei que ia chamar a polícia. A ambulância chegou em 15 minutos.”

Ao chegar ao hospital de Osasco, porém, o menino não foi direto para a UTI, como a família queria. Colocaram-no mais uma vez num quarto, onde ficou até o dia 22 de outubro. Ali foi constatado que seu sistema imunológico estava em frangalhos. Ali, ele se despediria dia a dia dos pais e familiares.

“Mãe, me perdoa por tudo o que eu fiz. Eu te amo tanto.”
“Não pede perdão, meu anjo. Reage.”

COMA
No Hospital Renascença, Pedro Henrique sentia fortes dores na cabeça, próximo ao ouvido infeccionado. “Ele reclamava muito todas as vezes que mexia o pescoço”, lembrou a tia.

Os médicos suspeitaram então de meningite, mas disseram a Rosimeire que não fariam o exame por conta das condições do menino. “Mas ele reclamou de dor para uma médica plantonista e ela decidiu colher o líquido da medula.”

A cena ficará marcada para sempre na mente e no coração da mãe. Os médicos pediram para que ela se retirasse. Do lado de fora do quarto, ela ouviu o grito do filho chamando por seu nome. Ela entrou e disse que o amava. “Os olhinhos dele reviraram. E ali eu perdi meu menino.”

Em coma, Pedro Henrique seria ainda transferido mais uma vez para o Hospital Santa Cecília, ainda na Capital. Ali, a família não tem do que reclamar do tratamento. “Ele chegou tarde demais, esse foi o problema”, disse o pai.

No último domingo, antes de desligar os aparelhos, a família decidiu doar os órgãos do menino, que ajudaram a salvar a vida de seis ou sete pessoas. Rosimeire só tem vontade de conhecer uma delas: aquela que recebeu as córneas do filho. “Quero poder olhar mais uma vez nos olhos dele. Só mais uma vez.”

A família segue a vida. No quarto verde de cortinas vermelhas, a irmã de Pedro Henrique, Letícia, 13, não quer mais dormir. As roupas do menino foram ensacadas para doação. Só sobrou um boneco do Ben 10. As gatas que ele chamava de filhas deram cria. Quatro gatinhos sobreviveram. A família não vai doar nenhum. “São os netos do meu filho. Vou cuidar deles como ele cuidaria. Como meu anjo cuidou de mim.”



Família entra na Justiça por erro médico
A família de Pedro Henrique Conceição Alves Pessoa, 10 anos, entrará na Justiça contra o convênio e os hospitais que atenderam o menino. A advogadaSandra Regina Tonelli Ribeiro está à frente do caso. “É cedo para apontar um culpado, mas parece que se trata de uma sucessão de erros e casos de negligência”, apontou.

A advogada afirmou que dará entrada em ação de responsabilidade civil por erro médico, com o objetivo de chamar a atenção da Justiça para o despreparo de alguns profissionais da área. “Não há provas ou exames para que os médicos exerçam a profissão, como existe, por exemplo, para o advogado. A diferença é que se há erro, perdemos um caso. Os médicos perdem vidas.”

A Intermédica foi procurada para esclarecer os procedimentos adotados no tratamento de Pedro Henrique. O convênio enviou a seguinte nota:

O paciente Pedro Henrique era portador de infecção crônica do ouvido e foi tratado 11 vezes no último ano.


Em 17 de outubro procurou o Hospital em Mauá, onde foi constatada pneumonia e otite.


Encaminhado ao hospital São Bernardo, após reavaliação julgou-se importante transferência para São Paulo.


Evoluiu com piora do quadro até que em 23 de outubro, em uma segunda tomografia realizada, mostrou tratar-se de trombose venosa e isquemia cerebral extensa, como complicação rara e gravíssima de otite.


Todas as transferências foram feitas com intuito de melhor atender ao menor na sua doença. Infelizmente o problema era tão grave que apesar dos esforços de vários especialistas a criança foi a óbito em 30 de outubro.