quarta-feira, 25 de maio de 2011

A vida pela metade

A situação dessas famílias é das piores que já vi nos meus quatro anos trabalhando no ABC. Elas, literalmente, sobrevivem num prédio abandonado em Mauá, só Deus sabe como. É triste de ver. Mas muita gente fecha os olhos para isso em nome do dinheiro.

A vida pela metade

Prédios inacabados no Jardim Kennedy, em Mauá, também são invadidos

Por: Camila Galvez



Fotos: Orlando Filho

Ivone Santos Pereira tem 32 anos e quatro filhos. Mas não tem uma casa. Ela e mais 40 famílias invadiram um conjunto de sete prédios inacabados no topo de um morro no Jardim Kennedy, em Mauá. É a segunda invasão de unidades habitacionais inacabadas no bairro neste ano.

Ali, homens, mulheres e crianças sobrevivem há dois meses carregando baldes de água da rua. Tomam banho de canequinha. A geladeira de Ivone está desligada, pois não há energia elétrica. Para as necessidades fisiológicas, baldes e sacos de plástico servem de vaso sanitário.

Valéria Pedra, 31, é vizinha de Ivone. Mora no terceiro andar do prédio que deveria ter ao menos cinco. Para chegar ao apartamento de quatro cômodos que transformou em lar, improvisou uma escada de madeira. A de concreto, que daria acesso aos andares mais altos, não foi concluída antes das obras serem embargadas, em fevereiro de 2009.

É por essa escada de madeira que Valéria e seus filhos conseguem entrar em casa. Por ela sobe também o aposentado João Teixeira de Oliveira, 69 anos, operado do intestino, com pressão alta e gota. "Ás vezes meu joelho dói tanto que tenho que descansar um pouco entre um degrau e outro".

Para chegar ao quarto andar, é preciso escalar as paredes. As crianças sobem com facilidade. Já os adultos são mais cautelosos, afinal, a queda seria fatal. O quinto andar do prédio não pode ser habitado, pois não há cobertura.

Das janelas improvisadas com madeirite, Ivone, Valéria e seu João vêem a outra invasão, na parte de baixo do morro. São 42 imóveis ocupados desde o início deste ano por famílias que vieram de áreas de risco da cidade. As casas são alvo de reintegração de posse. As famílias, com suas 150 crianças, ficarão sem um teto a partir do dia 15 de junho.

FUTURO
Já o destino das que estão nos prédios é incerto. O motorista Luiz Pereira, 46, vive em uma das seis unidades que tem apenas dois andares. De cima do morro, avista a área onde ficava seu barraco. Há três anos, ele e a esposa Maria de Jesus Ferreira, 52, foram removidos depois que o chão da casa de madeira afundou.

"Na época nos prometeram bolsa aluguel. Pagaram por três meses. Depois, fiquei por mim mesmo". A área de risco foi ocupada por outras famílias, que ergueram novamente seus barracos à espera da próxima chuva.

As famílias não sabem dizer quem são os donos dos prédios da parte de cima do morro, que estava abandonado e servia de abrigo para usuários de droga e criminosos, assim como as casas da parte de baixo do morro.

ESPERA
Mas a Prefeitura sabe: a construção dos prédios foi barrada após o TCE (Tribunal de Contas do Estado) constatar irregularidades na licitação.

As 64 unidades habitacionais que deveriam ser erguidas ali são para famílias como a de Luiz, que vieram do próprio Jardim Kennedy. E que continuarão na espera por um lar até que a Caixa libere a obra.

A espera, no entanto, pode ser na rua, pois a Prefeitura entrou com pedido de reintegração de posse.

As famílias do topo do morro podem ter de voltar para a parte de baixo do morro a qualquer momento. É assim a vida no abismo. É assim a vida no Jardim Kennedy.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Árvores-patrimônio estão com problemas

A matéria de hoje não se trata de jornalismo literário, mas sim de um alerta que você só lê aqui, no Narrativas do Real. Depois que um galho da figueira no Parque Celso Daniel, em Santo André, caiu e matou uma mulher, sai acompanhada de dois especialistas para avaliar a situação das outras árvores tombadas da região, as duas São Bernardo. Comentem e divulguem, pois algo precisa ser feito por esses exemplares antes que causem acidentes.

Árvores-patrimônio estão com problemas

Especialistas da UFABC avaliam Árvore dos Carvoeiros e Jatobá da Vergueiro, em São Bernardo


Por: Camila Galvez
Árvore dos Carvoeiros corre risco de desabar

Elas são frondosas, antigas, históricas e estão com problemas. Essa é a situação das três árvores tombadas pelos órgãos municipais do patrimônio no Grande ABC: a figueira do Parque Celso Daniel, em Santo André, a Árvore dos Carvoeiros e o Jatobá da Vergueiro, ambas em São Bernardo.

Após a queda de um galho da figueira andreense, que matou a aposentada Leda da Silva Maubrigades, 68 anos, há cerca de duas semanas, o Diário convidou especialistas da UFABC (Universidade Federal do ABC) para avaliar os outros patrimônios arbóreos da região. Eles constataram doenças que podem matar as plantas, principalmente no caso da Árvore dos Carvoeiros.

Trata-se de uma figueira que fica na marginal esquerda da Via Anchieta, na altura do quilômetro 24. Os motoristas que trafegam apressados rumo à Capital sequer notam sua presença em meio as outras árvores. Apesar de ser aberta à visitação, para chegar até a figueira é preciso pular o guard-rail, pois não há acesso.

Ao redor da planta, uma estrutura de cimento cobre as raízes e serve como espaço para depósito de oferendas. Na favela próxima, moradores desconhecem a importância histórica da árvore centenária que servia de pouso para os trabalhadores das minas de carvão. A espécie foi tombada pelo Compahc-SBC (Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural de São Bernardo) em 1999, por sua representação histórica e também por se tratar de um exemplar das matas nativas da região.

A especialista em botânica Andréia Onofre de Araújo e o ecologista vegetal Márcio de Souza Werneck constataram que a figueira está contaminado por cupins, fungos e taturanas. Um dos lados do tronco tem um buraco enorme próximo à raiz, causado por cupins. É possível observar até mesmo uma caixa de abelhas dentro do orifício.

MORTE
Para Andréia, é impossível recuperar o exemplar. “Ela parece estar sem cuidados há muito tempo”, afirmou. Werneck destacou que a árvore abriga várias epífitas, que são plantas que se instalam sobre os troncos e galhos da árvore e convivem em harmonia com ela. “São bromélias, samambaias, plantas da família dos cactos, entre outras”, enumerou.

Segundo os especialistas, é impossível saber por quanto tempo a árvore vai resistir a contaminação. “Ela vai secar e tombar. Ou vai tombar antes mesmo de secar, nas condições em que se encontra”, avaliou a especialista em botânica.

O risco é enorme, já que a árvore está a poucos metros da pista da rodovia Anchieta e poderia causar um acidente de grandes proporções.

A Prefeitura de São Bernardo afirmou, em nota, que a figueira fica em área de domínio da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), que é a responsável pelo seu monitoramento. Mesmo assim, o Departamento de Parques e Jardins deve entrar em contato com a empresa para vistoriar as condições e, se necessário, realizar trabalho de manutenção na árvore. A Dersa não se manifestou.

Jatobá da Vergueiro pode ser estrangulado
A situação do Jatobá da Vergueiro, segundo os especialistas da UFABC (Universidade Federal do ABC), não é tão ruim quanto a da Árvore dos Carvoeiros. O ecologista vegetal Márcio de Souza Werneck explicou que a madeira do jatobá é mais forte e resistente e sofre menos contaminação por agentes externos.

Mas o jatobá não está livre de problemas. No meio do tronco e entre os galhos da árvore cresce uma planta chamada mata-pau, conhecida como estranguladora. “A raiz dela desce até o solo para se alimentar. Em cerca de 10 anos, o tronco fica rodeado pelas raízes do mata-pau, que estrangulam a árvore para tomar o seu lugar”, explicou.

Na avaliação da botânica Andréia Onofre de Araújo, a Prefeitura precisaria monitorar a planta. “É um problema fácil de resolver: é só arrancar o mata-pau”, destacou.

A jornaleira Marilei Aparecida Tamani, 55 anos, instalou sua banca há quase 20 anos sob a sombra do jatobá, tombado desde 2006 pelo Compahc-SBC (Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural de São Bernardo). “Há quatro anos a Prefeitura veio aqui e cercou a árvore porque muita gente arrancava folhas e pedaços de madeira para fazer chá. Mas agora eles só voltam pra cortar a grama. São os moradores que cuidam dela”, afirmou.

A comunidade desenvolveu uma relação de carinho com o exemplar. Dona Marilei conta que, na época em que a árvore dá frutos, ela enche sacolas e distribui para a população. “Vem gente de tudo quanto é canto pra pegar”, garantiu.

A Prefeitura de São Bernardo afirmou que o jatobá apresenta boas condições e o ataque observado não está comprometendo o estado fitossanitário da planta. Mesmo assim, prometeu realizar nesta semana a remoção dos organismos.

Tombamento de espécies é previsto em lei
O tombamento de árvores consiste em um instrumento legal de preservação de espécies vegetais, fundamentado pelo artigo 7 da Lei Federal 4.771/65 do Código Florestal. Segundo essa lei, “qualquer árvore poderá ser declarada imune de corte, mediante ato do Poder Público, por motivo de sua localização, raridade, beleza ou condição de porta-sementes”.

Conforme a Prefeitura de São Bernardo, as árvores tombadas passam pelo mesmo processo que os demais patrimônios materiais da cidade. São bens preservados pelo seu significado em um momento histórico, pela identificação das pessoas em relação a eles e pela referência na memória do povo.

Em todo o país existem árvores tombadas pelo patrimônio. Curitiba tem oito árvores tombadas pelo Patrimônio Histórico do Paraná: um anjico-branco, uma ceboleira, uma paineira e cinco tipuanas, espalhadas por ruas, parques e áreas particulares.

Na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, há amendoeiras, jaqueiras, mangueiras algodoeiras e tamarineiras tombadas, além de um enorme baobá conhecido pela população como Maria Gorda.