segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

79 anos de equilíbrio

Conhecer dona Phenicia me emocionou em todos os sentidos: por sua garra, sua determinação, sua simpatia, seu jeito de me receber, tudo. Dona Phenicia provocou em mim risos e lágrimas, uma experiência inesquecível e intensa. A cada dia me sinto mais grata por conhecer histórias desse tipo, e por poder narrá-las do jeito que as vejo e sinto.

E para quem quiser ver o desempenho da equilibrista, é só acessar o vídeo no site do Diário do Grande ABC, clicando aqui.

79 anos de equilíbrio


Com nome de princesa e jeito de bailarina, Phenicia Annunciatta Alves de Araújo Crivellaro Motta se apresenta pela primeira vez no Circo Escola


Por Camila Galvez

Foto: Nário Barbosa/Diário do Grande ABC


A sapatilha branca pisa firme no arame, que não tem mais do que um dedo de espessura. Os pés delicados de bailarina desfilam enquanto uma das mãos, enrugada pela idade, busca apoio no professor. A outra vai esticada para garantir o equilíbrio, e se move com graça enquanto ela caminha. A música toca alto, ritmo latino, e o público está de boca aberta.

Então, vem o bambolê, e ela levanta os pés sem se abalar para passar por dentro do objeto. Seu rosto reflete concentração. A maquiagem azul borra no canto do olho, mas em nenhum momento ela desequilibra. A expressão é séria, compenetrada. É a primeira vez que ela sobe no arame para se apresentar no Circo Escola de Diadema.

Phenicia Annunciatta Alves de Araújo Crivellaro Motta nasceu em 23 de março de 1931 e ganhou nome de princesa. A lona branca de estrelas vermelhas erguida no Jardim União se transformou em seu castelo na noite de quinta-feira. Seus súditos foram familiares e amigos de pessoas comuns, que se tornaram artistas no encerramento das atividades do Circo Escola. Phenicia também é artista. Escolheu ser bailarina.

Mas antes Phenicia relutou. Quem a arrastou para o circo foi uma de suas cinco filhas, Giovana, e as netas Beatriz e Verônica. A família chegou à lona em março. "No começo, eu vinha só acompanhar, ficava no cantinho, sentada, fazendo palavras cruzadas." Há dois anos e oito meses, Phenicia perdeu Dandolo Motta, marido e companheiro por 56 anos. "Estava triste, mas minha filha quis me tirar de casa.

Um dia o circo viu Phenicia levantar e, por detrás da cortina do picadeiro, fazer malabares. Daí para o arame foi um pulo, e o rosto antes abatido de viúva ganhou cores. Primeiro uma camada de pó. Depois, a sombra suave aplicada nas pálpebras, que serve de moldura para o traço firme e grosso do lápis de olho azul. Na boca, batom puxado para o vermelho. Nas bochechas, blush para iluminar. "Minha beleza quebrou o espelho", brinca, depois que o vidro se parte no corre-corre que antecede as apresentações.

Cotidiano
Phenicia é dona de casa comum. Dirige até hoje, e aprendeu com o marido a arte de desviar dos malucos no trânsito. "Até trailler eu já puxei", conta, orgulhosa. Dandolo também a ensinou a pescar. "Quando começamos a namorar, tinha nojo da minhoca. Depois pescava mais que ele. O aluno supera o mestre." As lembranças divertem Phenicia quase tanto quanto o circo.

Ela também cozinha massa aos domingos, como boa filha de italianos que é, nascida no bairro do Bixiga, na Capital. "Faço um molho que é uma beleza, deixo ferver por três horas para tirar a acidez do tomate. A família adora o resultado", explica. Durante a semana, ela também ajuda Giovana a fazer salgados e doces para vender em Diadema, onde mora há oito anos.

O circo não é a única arte na vida dessa senhora de pés de bailarina e nome de princesa. Seus dedos longos de unhas bem feitas já passaram pelas cordas do violão e pelas teclas do piano. "Aprendi a tocar porque queria supervisionar as aulas das minhas filhas, saber se estavam aprendendo mesmo", diz a exigente mãe.

Vida de circo
Para se equilibrar no arame, Phenicia treinou por três meses. "Fazer algo útil na vida exige dedicação", ensina, com a sabedoria de quem se doou para o marido e os filhos. "Minha meta é conseguir me apresentar sozinha, sem ninguém segurar minha mão. Quem sabe no ano que vem", vislumbra.

Denis Oliveira, professor de Educação Física e responsável por ensinar Phenicia a ser bailarina do arame, derrete-se pela aluna mais velha do Circo-Escola. "Ela é capaz de caminhar sozinha. Provou isso durante as aulas", garante. Denis acredita que o arame ajuda Phenicia a recuperar o equilíbrio perdido com o acúmulo dos anos.

Na verdade, Phenicia nunca o perdeu. Ele estava ali, talvez meio escondido quando o marido se foi, mas ao encerrar o número com uma reverência e ser aplaudida pelo público, a princesa o toma para si com plenitude. "O circo fez bem para ela, mudou a maneira como enxerga a vida", comemora a filha Giovana.

Phenicia foi esposa, é mãe e avó, dona de casa, cozinheira, princesa e bailarina. Phenicia poderia ser você.

5 comentários:

  1. QUE LINDO HEIN MAMÃE !!!!! ADOREI E ESTOU ORGULHOSA DE VE-LA
    TÃO FELIZ E SEMPRE COM ESSA GRANDE CAPACIDADE QUE A SENHORA TEM PRA TODAS AS COISAS. PARABÉNS !

    DIGA À TODOS DO CIRCO, QUE A SENHORA TAMBÉM É UMA EXÍMIA ARTÍSTA PLÁSTICA. VIVA! VIVA!
    DE SUA FILHA E GENRO PAT E FRAN

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  2. Poxa, Francisco e Patrícia, obrigada pelo comentário! E parabéns pelo exemplo que vocês tem em casa. A Dona Phenicia é um amor!

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  3. E aí mamãe hem? Ficamos deslumbrados em ver sua ousada coragem e é o que a senhora sempre teve e ainda tem de sobra. Nunca esqueça que a senhora pode todas as coisas pois há um Deus que te capacita,te fortalece e te dá "perfeito equilíbrio" em todas as coisas. Que a senhora possa trazer alegria para muitos através desse exemplo de vida plena e saudável dentro e fora do Circo Escola de Diadema e que em tudo que puser a mão se tranforme em benção para ti e para os outros. OU OS PÉS, NÉ?
    Um enorme e apertado abraço de sua filha e genro mineirinssss, Monica e Jarbas.SUCESSO!!!! NÓS ESTAMOS DISTANTES MAS TE AMAMOS MUIIIIIIIITO!!!!

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  4. E aí dona PHENOCA ou FENOCA!!
    Adorei, achei o máximo.. quero chegar na sua idade e fazer metade do que faz... e bem feito..
    Agora a Sra tem que explicar melhor essa história de que quando namorava seu MOTTOCA tinha nojo da MINHOCA. Essa eu não sabia.
    Continue assim... servindo de exemplo até para quem não conhece.. Isso é divino.
    Beijos do genro ARMÊ

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  5. Mamaezinha, que reportagem mais linda, hein! Adorei demais, tava toda pintada e bonita. É coisa de jornal mesmo. Parabéns por tudo, ficou tudo muito bem feito, nem parecia que o circo tinha ficado tão "sério".

    Beijos Yayá

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