segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A casa das sete mulheres

A primeira de 2012. Mudaram apenas o título, mas explico porque prefiro que leiam a matéria aqui que no jornal. Esse título pode ser chamado de coincidência por alguns, mas de sincronicidade por aqueles que sabem alguma coisa de JL. No dia em que fui fazer a reportagem, acordei pensando nesse título. Ao chegar ao local, descobri que esse era exatamente o apelido pelo qual as  mulheres chamavam seu novo lar.

Portanto, o título faz sim toda a diferença na matéria, não é apenas para preencher um espaço que alguém desenhou. Portanto, curtam a matéria com toda a sua sincronicidade aqui:

A casa das sete mulheres


Na Residência Terapêutica de São Bernardo, pacientes psiquiátricas retomam lado feminino


Camila Galvez


Foto: Tiago Silva/Diário do Grande ABC


As unhas de Flaviana Mascarenhas Moreira, 72 anos, estão pintadas de rosa. “Mas quero tirar, está feio”, disse, olhando o esmalte descascado. Ela faz tricô na sala da Residência Terapêutica, ou casa das sete mulheres, apelido criado pelas próprias moradoras do espaço.

“Quero sair só pra dar uma voltinha”, diz Maria Lúcia Martins Costa, 34, de saia branca, blusa azul e óculos escuros. Mas elas ainda não podem sair sozinhas, só com a companhia das cuidadoras. “É um processo. Primeiro precisamos estimular a conversa, o diálogo, pegar confiança e, só assim, dar mais autonomia para elas em todas as atividades”, explica a coordenadora das residências terapêuticas de São Bernardo, Maria Dirce Cordeiro.

As sete mulheres que agora compartilham o mesmo teto estavam internadas em hospital psiquiátrico do município. Ali, eram apenas um número, abandonadas pela família, uniformizadas, em quartos com mobília padrão. Agora, têm suas roupas, colchas floridas nas camas e porta-retratos nos criados-mudos. Todas ajudam na rotina da casa e tem suas atividades bem distribuídas.

“Agora você me dá licença que vou secar a louça”. Rosalva Edneia de Godoy, 44, tiara nos cabelos, vestido de florzinha e blusa colorida se levanta do sofá com dificuldade. Um de seus pés quebrou durante a internação psiquiátrica e não foi tratado da maneira correta. “Suspeitamos que tenha sido negligência. Não houve cuidado para tratá-las, como se elas não tivessem discernimento para perceber isso”, afirma a assistente social responsável pela residência, Denise Baptista da Silva.

Na cozinha, Rosalva leva um puxão de orelha das cuidadoras. “Ela disse que ia lavar a louça, mas depois reclamou de dor no pé e se livrou, né?”, brinca Daniela Lucca da Silva. Rosalva abre o sorriso, mas lhe faltam alguns dentes e ela logo quer esconder a boca.

SAÚDE
Os dentes, aliás, são um problema na casa. Todas precisam de tratamento e devem receber os cuidados necessários na Unidade Básica de Saúde da Vila Dayse, próxima à residência. Foi para lá que a equipe do Diário acompanhou Sonia dos Santos Almeida, 54, na entrega de alguns exames.

Sonia estava cabisbaixa por causa de dor de estômago. Ao chegar ao local, acompanhada de Denise e Maria Dirce, porém, não se intimida: descreve todos os sintomas para a enfermeira responsável pelo Programa de Estratégia de Agentes Comunitários da unidade, Maria Dalvaci Paula. “Dói aqui, ó”, aponta com o dedo. Quando ouve que talvez tenha de fazer dieta, reclama: “Não quero parar de comer.”

Todas as mulheres têm discernimento suficiente para fazer atividades rotineiras, como se alimentar, ajudar nas tarefas domésticas e cuidar da higiene pessoal. “Aqui não precisamos nem incentivar, pois elas procuram o que fazer”, comenta a cuidadora Daniela. Em breve, a casa das sete mulheres deve se tornar o lar da oitava, que está em internação hospitalar.

Aos poucos, as moradoras da residência também retomam a vaidade. Gostam de se olhar no espelho, mas acham em si mesmas muitos defeitos. Querem passar cremes e comprar bijuterias. Eliana Antonia Cabreira, 42, é uma das mais introspectivas da casa. Mas, ao ouvir que tiraria fotos, mais do que depressa cobriu os lábios com batom rosa. E sorriu para a câmera – e para a vida que, aos poucos, a recebe de volta.

Prefeitura inaugura 4ª residência no dia 27

São Bernardo deve inaugurar a 4ª Residência Terapêutica da cidade no dia 27. Essa será exclusivamente para oito homens que estão internados no mesmo hospital psiquiátrico.

A desinstitucionalização dos pacientes tem a retaguarda do Ministério da Saúde, que, por meio do programa De Volta para Casa, concede benefício mensal aos residentes, válido por um ano. Além disso, os recursos do Sistema Único de Saúde que eram utilizados para o financiamento dos leitos agora desativados são repassados para as residências.

Segundo a coordenadora das casas, Maria Dirce Cordeiro, as unidades cumprem a lei federal que obriga o fechamento gradativo dos leitos psquiátricos. “Essas pessoas foram abandonadas por suas famílias nos hospitais, então, não tem para onde ir. Mas buscamos retomar esses vínculos quando conseguimos localizar os parentes”. Ao menos três pacientes foram devolvidos ao convívio familiar.

Para que isso aconteça, porém, Maria Dirce explica que é preciso que a família cuide bem do paciente. “Alguns parentes só se interessam em recebê-los de volta porque eles ganham benefício que chega a quase R$ 1.000. Mas tem que cuidar com carinho, senão o paciente volta para a residência terapêutica.”

A exemplo das outras residências já existentes no município, as moradoras terão a oportunidade de participar de oficinas de geração de renda e de cursos de capacitação profissional, oferecidos pela Prefeitura ou em parceria com outras instituições. Elas também recebem apoio 24 horas, participam de projetos terapêuticos desenvolvidos pelo Centro de Atenção Psicossocial III, do Centro, e recebem visitas domiciliares dos técnicos da Coordenadoria de Saúde Mental, da Secretaria de Saúde.

O objetivo da Prefeitura é que até o fim deste ano seja inaugurada mais uma residência na cidade, além de dois Caps III 24 horas, no Jardim Silvina e Alvarenga.

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