terça-feira, 8 de junho de 2010

Meu querido diário

Demorei, mas voltei! E com boas notícias: a matéria "Pelo direito ao sim" foi manchete do jornal e hoje está como terceira mais lida da editoria de Cidades do site. Ebaaaaaaaa! Minha primeira manchete de Jornalismo Litérario. *.*

Agora deixo com vocês com mais um texto, produzido na última quarta-feira, antes do feriado. Fui muito bem recebida pelo pessoal da E.E. Therezinha Sartori e adorei saber que ainda existe gente que acredita de verdade no poder transformador da educação. Sempre costumo dizer que é preciso investir em escola para diminuir o número de presídios. A matemática é tão simples, mas nossos políticos ainda não conseguiram enxergar que só uma educação de qualidade pode garantir o futuro desse país.

Meu querido diário

Escola estadual de Mauá retoma costume de escrever diários para ensinar língua portuguesa e ajudar crianças e adolescentes a se expressar

Por: Camila Galvez

Bárbara mostra suas joaninhas
Foto: Luciano Vicioni


“Hoje estou um pouco ansiosa. Vai vir um pessoal fazer uma reportagem sobre o Projeto Diário e também estou nervosa por causa da prova de matemática que estava super hiper mega difícil. Ainda bem que tivemos que parar para a entrevista.”

A folha de papel recebeu o texto de letra arredondada, escrito em caneta preta. Duas joaninhas vermelhas de bolinhas pretas e com olhos azuis foram caprichosamente pintadas e coladas na folha para acompanhar as palavras. Os olhos escuros de Bárbara Guedes, 10 anos, correm do papel para a equipe de reportagem que se movimenta na sala de aula do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Therezinha Sartori, em Mauá. Parecem pedir para que eu converse com ela. A professora me chama a atenção para o texto e para a menina de fala baixa e tímida, que desvia o olhar ao falar.

- Você já tinha feito diários, Bárbara?

- Já tinha escrito três, esse é o quarto. Minha mãe me deu um diário logo que aprendi a escrever.

- Ah, então você já tinha experiência na área. E o que você escreve?

- Escrevo muito o que estou sentindo. E alguns segredos também. Por isso guardo o diário no guarda-roupa e tranco com chave para ninguém ver.

Bárbara é uma entre os 3 mil alunos do 5º ano do Ensino Fundamental até o 3º do Ensino Médio que participam do Projeto Diário na escola. A mãe da ideia é a professora de língua portuguesa Rita de Cássia Fiacadori, que resolveu montar o projeto ao ouvir comentários dos alunos sobre diversos livros que fazem a cabeça dos jovens e que tem estrutura de diário, como O Diário de Bridget Jones, O Diário da Princesa e Diários de Vampiro, que inspirou também um seriado norte-americano transmitido por um canal de TV por assinatura. No projeto, crianças e adolescentes escrevem diários e a professora tem o compromisso de não ler todos os textos.

- Uma vez por semana os estudantes trazem o caderno para a sala de aula e eu dou visto para saber se eles estão realmente escrevendo. Também peço para que escolham um texto que possa ser exposto e passem para a folha de sulfite, que enfeitam a vontade. Nesse texto, faço correções de português, desde a gramática até a estrutura narrativa, e estimulo para que trabalhem diversos conceitos, como prosa, poesia, biografia, entre outros.

Desenhos, pinturas, colagens de fotos e recortes de jornais e revistas são os principais companheiros das palavras. Um estudante, inclusive, chegou a fazer um diário de imagens paralelamente ao projeto escrito. Mas alguns preferem se dedicar mesmo a desenhar as letras no papel, como é o caso de Lucas Medrado, de 12 anos.

“Hoje fui até Mauá e comprei um carrinho que eu tinha que montar a partir das peças que vinham na caixa. Foi meio difícil, demorei uma hora e meia para montar, mas quando consegui foi bem legal. Depois fui até a casa do meu primo, chamamos o irmão dele e começamos a brincar de esconde-esconde. Toda vez que aparecia uma oportunidade eu dava um susto neles e foi muito divertido”

- Escrever o diário é uma coisa diferente. Eu não tinha o hábito de falar sobre as minhas emoções e acho que posso me expressar melhor no papel. Comecei a conversar com o diário como se ele fosse meu amigo. Mas para os amigos de verdade não conto que faço diário, prefiro guardar isso para mim.

Tenho a impressão de que Lucas treinou para me dizer o que disse tamanha é a desenvoltura do menino. Seu diário é um caderninho com o símbolo do Palmeiras na capa, e a letra do garoto é difícil de compreender, mas isso não impede que ele desenvolva textos de qualidade naquele que aprendeu a chamar de companheiro. Lucas é um dos mais elogiados pela professora.

Rita explicou que, no início do trabalho com as turmas, os alunos costumam escrever muito sobre a rotina e pouco sobre o que sentem. Isso muda ao longo do ano, quando começam a encarar o diário como um amigo, processo que aconteceu com Lucas. Alguns falam sobre namoros e amizades, e uma adolescente da escola aprendeu a lidar com o luto escrevendo e fazendo colagens com fotos da mãe que morreu.

- A prática não melhora só a questão do português, mas também das relações sociais. O diário acaba se tornando um bom ouvinte para as crianças e jovens que, muitas vezes, não tem oportunidade de conversar com os pais ou outros amiguinhos sobre seus sentimentos.

A professora de olhos azuis vivos e cabelos claros me lembra ainda que o diário é também uma gostosa lembrança para o futuro. Que o diga essa repórter, que escreveu uns oito ou nove diários dos 9 aos 18 anos, e ainda guarda todos no fundo do armário para a mãe não ler.

Escola trabalha interdisciplinaridade na educação

A Escola Estadual Therezinha Sartori é um exemplo de como uma gestão firme e criativa pode mudar a educação pública. É possível perceber no rosto da diretora Rita de Fátima Sola o quanto ela acredita que a escola é transformadora. Suas mãos delicadas e cheias de anéis grandes não parecem tão fortes se olhadas de perto, mas se tornam de ferro quando observamos o trabalho desenvolvido na escola, que existe há 50 anos na Vila Noemia.

- Não é porque a escola é pública que o ensino deve ser uma porcaria. Aqui temos a cultura de resgatar o passado, não só por meio do Projeto Diário, mas também realizando gincanas com brinquedos antigos, exposições de trabalhos permanentes, murais, e outras atividades que retomem a infância que muitas crianças e adolescentes perderam com a vida moderna.

Nem todos gostam desse modelo, é fato, e nem todos participam tão ativamente quanto Rita gostaria. Mas ela insiste porque acredita que muitos pais perderam a conexão com os filhos e os jovens têm necessidade de que a escola aja para ensinar valores e moral.

A coordenadora pedagógica Mirian Marcondes Carvalho destacou ainda que a instituição trabalha a interdisciplinaridade, ou seja, não divide projetos e atividades por matérias, mas trabalha todas em conjunto. O conceito é bastante aplicado em avaliações da educação, como o Saresp (Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) no nível estadual e o próprio Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que neste ano foi a única forma de ingresso de estudantes nas universidades federais do país.

- Apesar do Projeto Diário ser focado no português, outras disciplinas se aproveitam dele para trabalhar conceitos como psicologia, sociedade, antropologia, filosofia. A leitura e a escrita são os únicos meios de transformar a educação brasileira. Aqui acreditamos nisso.

2 comentários:

  1. Chamou a atenção a forma pela qual a autora conseguiu falar tranquilamente com as crianças, que pelo jeito nem se intimidaram com gravador, bloquinho, que seja. Outro texto com uma visão diferente do que estamos acostumados a ler nos grandes jornais.

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  2. Eu sou da 6ªB mas ano passado eu era da 5ªC e estava na sala da Bárbara.Foi muito divertido e nós estudantes nem ficamos com vergonha.Meu nome é Thaynara e adoro os projetos da professora Rita...

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