segunda-feira, 21 de junho de 2010

O inverno de Sérgio

Não. Eu não sou apenas jornalista. Sou, antes de tudo, humana. E não adianta um professor vir me dizer no primeiro dia de aula que aqueles que acreditam no jornalismo utópico devem desistir do curso ali. Fui até o fim. Fiz os quatro anos de curso mas somente agora, quase três anos depois de formada, percebo o que realmente gosto de fazer.

O homem que deu título a esse texto mexeu comigo como pessoa. Ver o nível de degradação ao qual ele chegou me deixou arrasada, destruída a ponto de chegar na redação com um peso sobre os ombros que nem sei descrever. Ainda mais porque causei uma briga entre ele e a mulher que também aparece no texto simplesmente porque o convenci a aceitar ajuda. Sim, quero jogar limpo com quem ler o texto: eu não fui só jornalista. Fui humana.

O inverno de Sérgio


Uma pequena história sobre um morador de rua de Santo André que aceitou ajuda


Por: Camila Galvez


Foto: Antonio Ledes



- Qual o seu sonho, Sérgio?

- Agora você me fez uma pergunta difícil. Ela diz que está me amando.

- Vem aqui, amore mio!

Sérgio de Azevedo Forato, 48 anos, não sabe mais dizer quais são seus sonhos. Vive com Neide Helena do Carmo, 50 anos, numa praça na avenida Lauro Gomes, em Santo André. Ali os dois dividem um colchão rasgado, dois cobertores coloridos e uma garrafa de plástico cheia de cachaça, que espanta o frio e a fome.

- O álcool acabou com a minha vida.

Sérgio tira do bolso uma folha de sulfite dobrada e envolvida por um plástico. Abre o papel e me entrega sem dizer o que é. Desdobro e leio o que está impresso até o fim para descobrir: ele cumpriu seis anos de detenção por assalto a mão armada. Na época, já bebia. Quando foi solto, chegou a fazer tratamento no A.A. (Alcoólicos Anônimos) de São Caetano. Ficou um ano e oito meses limpo.

- Tinha um trabalho e achei que estava bem o suficiente para tomar uma vodka. Não estava.

Neide se tornou companheira de Sérgio após a morte do marido. A mulher de cabelos crespos despenteados e sem os dentes da frente diz que está na rua desde então. E porque quer.

- Tenho família, mas não vi mais ninguém. E to amando. Quero viver com ele.

Sérgio também tem família. A mãe mora “ali do lado”, e o casal de filhos está bem de vida. Ele, porém, não quer ir para casa.

- Quando chego com o rosto inchado, levando a pinga e o cigarro na mão, minha mãe já sabe. E não me quer.

Mas Sérgio aceitou ir para a Casa Amarela, um local de acolhida para os moradores de rua de Santo André. Ali eles podem se banhar, tomar café da manhã e jantar. A casa é também a porta de entrada para o Programa de Atenção às Pessoas em Situação de Rua, responsável por encaminhar os moradores de rua para outros trabalhos sociais desenvolvidos na cidade. O espaço tem capacidade para atender 100 pessoas por dia. Em Santo André, cerca de 350 pessoas vivem nas ruas, de acordo com o último censo feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social, em 2007.

No inverno, que chegou na última segunda-feira (21/06), o trabalho da educadora Nilza Carvalho, uma morena bonita e maquiada, é ampliado. No caso da praça, ela identificou a permanência dos moradores há cerca de 20 dias e, desde então, conversa com eles para tentar convencê-los a ir para a Casa Amarela.

- Precisamos conversar diariamente para criar o vínculo. Eles precisam confiar na gente para aceitar a ajuda.

Sérgio aceitou, e também Rafael, um jovem de 18 anos, mãos sujas e rosto de menino. Ambos entraram na kombi branca que os levaria para o abrigo, onde poderiam tomar banho e jantar. Se quisessem, poderiam ainda passar a noite no albergue da cidade.

Despeço-me de Sérgio no portão da Casa Amarela, e seus olhos parecem curiosos com o que está por vir. Talvez seu inverno seja menos frio agora.

Neide, no entanto, quis ficar. A vida na rua pode ser difícil, mas ela ainda não criou o vínculo necessário para sair dali. Ao menos por enquanto, o trabalho de formiguinha de Nilza continua.

Região oferece 411 vagas em albergues noturnos

As Prefeituras da Região ampliaram o atendimento aos moradores de rua neste inverno. Em Santo André, a pessoa recebe atendimento especializado na Casa Amarela por meio das assistentes sociais, que a ajudam a voltar para a família ou ir para um dos serviços oferecidos pela Prefeitura. No albergue noturno são 80 vagas, sendo 69 masculinas e 11 femininas. Munícipes podem ajudar o trabalho quando identificam locais nos quais há concentração de moradores de rua. Basta ligar para os telefones 4427-6207 ou 8397-9387.

Em São Bernardo há duas entidades de acolhimento para a população adulta em situação de rua: uma casa de integração, que atende 26 homens em fase de reintegração familiar ou autonomização, e um albergue, para atendimento de 100 pessoas em regime diuturno.

Em Diadema, o albergue disponibiliza 40 vagas por noite e o atendimento tem início às 18h30. As vagas podem ser procuradas até as 22h e no local é oferecido banho, pijama, chinelos, jantar e café da manhã. O horário de saída é às 6h30.

Em Ribeirão Pires, a Casa da Acolhida, em Ouro Fino Paulista, tem capacidade para receber até 45 pessoas. No momento, há 39 munícipes em situação de rua na Casa da Acolhida, mantida pela Prefeitura e pela Associação Caminho da Luz.

Em São Caetano, as duas entidades que atendem moradores de rua são privadas. Quando há necessidade de encaminhar alguém, é feito contato para verificar a disponibilidade de abrigar a pessoa. Por esse motivo, a cidade tem atuado na reinserção dos moradores às suas famílias. Mauá e Rio Grande da Serra não responderam a solicitação da reportagem.

Um comentário:

  1. Olá!! Dia 10/07 eu em conjunto com a Primeira Igreja Batista de Sto André vamos até a Casa Amarela levar agasalhos (referente a campanha de agasalhos que estamos fazendo..) e vamos complementar o café da manhã deles com muitas coisas gostosas!!! Passaremos a amnhã toda levando carinho, atenção e a palavra de Deus!

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