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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um dia de fábrica

Nossa, essa semana está tão corrida! Aliás, as duas últimas semanas estão assim, mas não reclamo não, gosto de dias agitados e noites passadas em boa companhia.

Essa matéria que deixo hoje para vocês foi escrita na última semana, e foi quase como uma folga depois de escrever tanto sobre inovação para a revista InovABCD. Se bem que os textos que fiz sobre o metrô de São Paulo e a Fábrica de Pães da Avape foram de JL, e depois vou postar para vocês.

Por enquanto, fiquem com o texto do Projeto Diadema Mais Educação, proposta de ensino integral da cidade de Diadema, que conta com o apoio do Governo Federal, embora o prefeito Mário Reali tenha me dito certa vez que esse apoio ainda precisa "crescer um tiquinho".

Um dia de fábrica


Legas Group é primeira empresa a participar do projeto Diadema Mais Educação, parceria da Prefeitura com a União


Por Camila Galvez

Foto: Antonio Ledes

O dia de 42 crianças de seis e sete anos da Escola Municipal Mário Santalúcia, em Diadema, começou com uma corrida de obstáculos.

- Fiquem de mãos dadas, sem soltar a mão do coleguinha ao lado.

O aviso é da professora de artes da escola, Paula Aceituano, uma das sete educadoras que acompanham o grupo. Os alunos fazem parte do projeto Diadema Mais Educação, que amplia o tempo de permanência da criança na escola de quatro para no mínimo sete horas, durante as quais os alunos participam de atividades em centros culturais, parques, complexos esportivos e outros espaços públicos e comunitários, criando um “território educativo” que abrange todas as regiões do município. O projeto tem investimento de R$ 2,2 milhões, sendo R$ 1,2 milhão da Prefeitura e R$ 1 milhão do governo federal.

A atividade desta quinta-feira (23/09) é uma novidade do programa: os estudantes do turno da tarde aproveitaram a manhã para visitar a empresa Legas Group, mas antes tiveram de vencer, de mãos dadas, buracos, entulho e lixo, calçadas estreitas demais, postes e árvores que bloqueavam a passagem e dois cruzamentos, sempre acompanhados dos professores. Ao chegar à fábrica, cerca de 10 minutos depois, Paula lança um novo aviso ao grupo:
- Lembrem-se de que não devemos tocar em nada.

- Não pode atrapalhar quem está trabalhando, né? – diz um dos alunos.

- Isso mesmo, não podemos atrapalhar, só observar.

Na Legas Group os alunos são recebidos pelo empresário Nelson Miyazawa, pioneiro em participar do projeto na cidade.

- Bom dia, pessoal!

- Bom dia!

- O que nós vamos conhecer aqui hoje?

- A fábrica!

As crianças respondem em coro, como se tivessem ensaiado previamente. Para Nelson, trata-se de uma satisfação pessoal, visível no sorriso e na paciência oriental. “Com a iniciativa, buscamos dar o exemplo a outros empresários para que também abram as portas de suas empresas para a comunidade”, afirma. A Legas Group desenvolve há 10 anos atividades de esporte e lazer com a população do Bairro Serraria, onde está instalada, e também faz parte do projeto Leitura nas Fábricas, da Prefeitura de Diadema.

O grupo de alunos segue para o passeio pela fábrica, que produz displays para montagem de supermercados e lojas. A estudante Mayara Vech, 8 anos, está empolgada. “Faço taekwondo aqui, mas nunca tinha visto a produção. É muito legal”, garante. O coleguinha Samuel Lima Pontes, 6 anos, também vive a primeira experiência em uma fábrica. Porém, ao ser questionado se quer trabalhar ali quando crescer, ele responde: “Quando eu for grande, quero namorar”. Garoto decidido.

Estímulo

A visita não se limita só a conhecer a produção, mas os alunos também utilizam o espaço da fábrica para desenvolver atividades de leitura e recreação. A articuladora do programa na Mário Santalúcia, Renata Saggioro, explica que a atividade renderá frutos na sala de aula. “Desenvolvermos conteúdos ligados a artes, meio ambiente, matemática e alfabetização, entre outros. A proposta é complementar o aprendizado da sala de aula”, destaca.
A professora Paula é uma das que desenvolverão atividade na aula de artes com os alunos. “Vamos discutir o que eles viram aqui e fazer um desenho ou colagem relacionado ao passeio”, comenta.

O funcionário Antonio Gomes, 49 anos, também gostou da experiência de receber a criançada no ambiente de trabalho. “É uma forma de incentivar os pequenos a escolher uma profissão no futuro”, opina.

Parcerias

A secretária de Educação de Diadema, Roberta de Oliveira, afirmou que a cidade pretende buscar parcerias com outras empresas para ampliar a visitação. “Agora que o projeto chegou à Zona Oeste de Diadema, que tem mais fábricas, vamos tentar ampliar as parcerias para atender mais alunos”, disse. Atualmente, 11 escolas do município participam do projeto Diadema Mais Educação.

Sobre a corrida de obstáculos do início da aventura dos pequenos alunos da Mário Santalúcia, Roberta destaca que a Prefeitura tem promovido campanhas educativas a fim de conscientizar os comerciantes e a população para manter as calçadas limpas e desobstruídas. “A comunidade tem sido receptiva quando vê as crianças nas ruas”, garante a secretária.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Meu querido diário

Demorei, mas voltei! E com boas notícias: a matéria "Pelo direito ao sim" foi manchete do jornal e hoje está como terceira mais lida da editoria de Cidades do site. Ebaaaaaaaa! Minha primeira manchete de Jornalismo Litérario. *.*

Agora deixo com vocês com mais um texto, produzido na última quarta-feira, antes do feriado. Fui muito bem recebida pelo pessoal da E.E. Therezinha Sartori e adorei saber que ainda existe gente que acredita de verdade no poder transformador da educação. Sempre costumo dizer que é preciso investir em escola para diminuir o número de presídios. A matemática é tão simples, mas nossos políticos ainda não conseguiram enxergar que só uma educação de qualidade pode garantir o futuro desse país.

Meu querido diário

Escola estadual de Mauá retoma costume de escrever diários para ensinar língua portuguesa e ajudar crianças e adolescentes a se expressar

Por: Camila Galvez

Bárbara mostra suas joaninhas
Foto: Luciano Vicioni


“Hoje estou um pouco ansiosa. Vai vir um pessoal fazer uma reportagem sobre o Projeto Diário e também estou nervosa por causa da prova de matemática que estava super hiper mega difícil. Ainda bem que tivemos que parar para a entrevista.”

A folha de papel recebeu o texto de letra arredondada, escrito em caneta preta. Duas joaninhas vermelhas de bolinhas pretas e com olhos azuis foram caprichosamente pintadas e coladas na folha para acompanhar as palavras. Os olhos escuros de Bárbara Guedes, 10 anos, correm do papel para a equipe de reportagem que se movimenta na sala de aula do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Therezinha Sartori, em Mauá. Parecem pedir para que eu converse com ela. A professora me chama a atenção para o texto e para a menina de fala baixa e tímida, que desvia o olhar ao falar.

- Você já tinha feito diários, Bárbara?

- Já tinha escrito três, esse é o quarto. Minha mãe me deu um diário logo que aprendi a escrever.

- Ah, então você já tinha experiência na área. E o que você escreve?

- Escrevo muito o que estou sentindo. E alguns segredos também. Por isso guardo o diário no guarda-roupa e tranco com chave para ninguém ver.

Bárbara é uma entre os 3 mil alunos do 5º ano do Ensino Fundamental até o 3º do Ensino Médio que participam do Projeto Diário na escola. A mãe da ideia é a professora de língua portuguesa Rita de Cássia Fiacadori, que resolveu montar o projeto ao ouvir comentários dos alunos sobre diversos livros que fazem a cabeça dos jovens e que tem estrutura de diário, como O Diário de Bridget Jones, O Diário da Princesa e Diários de Vampiro, que inspirou também um seriado norte-americano transmitido por um canal de TV por assinatura. No projeto, crianças e adolescentes escrevem diários e a professora tem o compromisso de não ler todos os textos.

- Uma vez por semana os estudantes trazem o caderno para a sala de aula e eu dou visto para saber se eles estão realmente escrevendo. Também peço para que escolham um texto que possa ser exposto e passem para a folha de sulfite, que enfeitam a vontade. Nesse texto, faço correções de português, desde a gramática até a estrutura narrativa, e estimulo para que trabalhem diversos conceitos, como prosa, poesia, biografia, entre outros.

Desenhos, pinturas, colagens de fotos e recortes de jornais e revistas são os principais companheiros das palavras. Um estudante, inclusive, chegou a fazer um diário de imagens paralelamente ao projeto escrito. Mas alguns preferem se dedicar mesmo a desenhar as letras no papel, como é o caso de Lucas Medrado, de 12 anos.

“Hoje fui até Mauá e comprei um carrinho que eu tinha que montar a partir das peças que vinham na caixa. Foi meio difícil, demorei uma hora e meia para montar, mas quando consegui foi bem legal. Depois fui até a casa do meu primo, chamamos o irmão dele e começamos a brincar de esconde-esconde. Toda vez que aparecia uma oportunidade eu dava um susto neles e foi muito divertido”

- Escrever o diário é uma coisa diferente. Eu não tinha o hábito de falar sobre as minhas emoções e acho que posso me expressar melhor no papel. Comecei a conversar com o diário como se ele fosse meu amigo. Mas para os amigos de verdade não conto que faço diário, prefiro guardar isso para mim.

Tenho a impressão de que Lucas treinou para me dizer o que disse tamanha é a desenvoltura do menino. Seu diário é um caderninho com o símbolo do Palmeiras na capa, e a letra do garoto é difícil de compreender, mas isso não impede que ele desenvolva textos de qualidade naquele que aprendeu a chamar de companheiro. Lucas é um dos mais elogiados pela professora.

Rita explicou que, no início do trabalho com as turmas, os alunos costumam escrever muito sobre a rotina e pouco sobre o que sentem. Isso muda ao longo do ano, quando começam a encarar o diário como um amigo, processo que aconteceu com Lucas. Alguns falam sobre namoros e amizades, e uma adolescente da escola aprendeu a lidar com o luto escrevendo e fazendo colagens com fotos da mãe que morreu.

- A prática não melhora só a questão do português, mas também das relações sociais. O diário acaba se tornando um bom ouvinte para as crianças e jovens que, muitas vezes, não tem oportunidade de conversar com os pais ou outros amiguinhos sobre seus sentimentos.

A professora de olhos azuis vivos e cabelos claros me lembra ainda que o diário é também uma gostosa lembrança para o futuro. Que o diga essa repórter, que escreveu uns oito ou nove diários dos 9 aos 18 anos, e ainda guarda todos no fundo do armário para a mãe não ler.

Escola trabalha interdisciplinaridade na educação

A Escola Estadual Therezinha Sartori é um exemplo de como uma gestão firme e criativa pode mudar a educação pública. É possível perceber no rosto da diretora Rita de Fátima Sola o quanto ela acredita que a escola é transformadora. Suas mãos delicadas e cheias de anéis grandes não parecem tão fortes se olhadas de perto, mas se tornam de ferro quando observamos o trabalho desenvolvido na escola, que existe há 50 anos na Vila Noemia.

- Não é porque a escola é pública que o ensino deve ser uma porcaria. Aqui temos a cultura de resgatar o passado, não só por meio do Projeto Diário, mas também realizando gincanas com brinquedos antigos, exposições de trabalhos permanentes, murais, e outras atividades que retomem a infância que muitas crianças e adolescentes perderam com a vida moderna.

Nem todos gostam desse modelo, é fato, e nem todos participam tão ativamente quanto Rita gostaria. Mas ela insiste porque acredita que muitos pais perderam a conexão com os filhos e os jovens têm necessidade de que a escola aja para ensinar valores e moral.

A coordenadora pedagógica Mirian Marcondes Carvalho destacou ainda que a instituição trabalha a interdisciplinaridade, ou seja, não divide projetos e atividades por matérias, mas trabalha todas em conjunto. O conceito é bastante aplicado em avaliações da educação, como o Saresp (Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) no nível estadual e o próprio Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que neste ano foi a única forma de ingresso de estudantes nas universidades federais do país.

- Apesar do Projeto Diário ser focado no português, outras disciplinas se aproveitam dele para trabalhar conceitos como psicologia, sociedade, antropologia, filosofia. A leitura e a escrita são os únicos meios de transformar a educação brasileira. Aqui acreditamos nisso.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Educação mais que especial 2

Gente! E não é que a matéria Educação mais que especial está repercutindo por aí? Ela foi publicada quase como a original no ABCD Maior e já é a mais lida da editoria de cidades do site. Para acessar, clique aqui.

E o fofo do Fabão fez uma página especial para mim. É ou não o melhor diagramador do mundo? Fabão, brigaduuuuu!



E vem mais por aí, pessoal. Aguardem e confiem.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Educação mais que especial

A ideia de fazer esse blog surgiu de uma conversa e da vontade de praticar um pouco do que tenho aprendido na pós-graduação em Jornalismo Literário (JL). Mas não é só isso. Surgiu também da vontade de fazer um jornalismo mais humano, mais gostoso de ler, e sair um pouco dessa coisa "todo dia" que vivo na redação.


Os textos que vocês vão ler aqui terão falhas, com toda certeza, porque estou num processo de aprendizado. O que quero não é dar exemplo, e sim desenvolver aos poucos o meu estilo por meio da clássica tentativa e erro.


Em algumas matérias publicarei também a versão "oficial" do texto, ou seja, aquela que será publicada no veículo onde trabalho, até para que aqueles que se interessem possam fazer uma comparação.


O primeiro da leva fala sobre a luta de uma mãe que tenta garantir uma bolsa de estudos para o filho autista na escola em que ele já estuda há um ano. Primeiro vou postar a versão JL e, depois, o link para a versão online. Comentários e críticas são bem vindos.


Sintam-se em casa até mesmo para opinar o que vocês gostariam de ler por aqui, ok?


E, no post de estreia, fica uma frase do Marcos Faerman que li e gostei bastante: "Sou um repórter. Isto quer dizer que não sou um contista, um professor ou um marciano. Sou um repórter".


Educação mais que especial


A história de uma mãe que luta pelo direito de ter uma bolsa de estudos bancada pelo Estado na escola em que escolheu para o filho autista
Por Camila Galvez
A porta branca decorada com mãozinhas coloridas de criança feitas a tinta guache se abre. Lucas Marchesini Milena caminha de maneira hesitante, o olhar sem fixar nenhum ponto específico. Veste bermuda azul marinho e a camiseta branca do uniforme da escola, devidamente identificado, assim como os demais estudantes. Nos pés, ao invés do tênis, opção feita pela maioria das mães ao enviar os pimpolhos para a escola, o jovem de 14 anos usa um sapato tipo crocs de plástico azul. Os pés são grandes para o tamanho do menino, característica que costuma ser comum nessa idade.


Apesar de não olhar diretamente para mim, Lucas vem em minha direção e senta-se na cadeira de plástico ao meu lado. Todos na sala começam a rir, e eu acompanho o sorriso.


- Mas esse Lucas é um danadinho mesmo, ele gostou de você!

Alba Regina Marchesini Milena é mãe de Lucas e está sentada ao meu lado também, à direita, enquanto o filho ocupa a cadeira da esquerda. Olho para o garoto e logo sai de meus lábios o cumprimento, o primeiro indício da vontade de estabelecer a comunicação entre dois humanos:

- Oi!

Ele, porém, não responde. Sequer desvia os olhos para mim. O comportamento não é falta de educação: Lucas é autista e não fala. Estuda no Núcleo CrerSer, em São Bernardo, especializado em atender crianças, jovens e adultos com déficits intelectuais dos mais variados, entre eles o autismo. Alba e o marido, Eduardo Martiliano Milena, pagam mensalmente R$ 740 pela educação do filho. Apenas Eduardo trabalha, prestando serviços de consultoria.

- Minha profissão é ser mãe do Lucas.


Questões financeiras
Alba e Eduardo estão “apertados” financeiramente, pois o filho também depende de outros tipos de tratamento de saúde, além da educação especializada. O autismo é uma síndrome caracterizada por desvios de comunicação, atenção e imaginação, o que gera problemas comportamentais. É mais frequente em meninos, como Lucas, do que em meninas, e os primeiros indícios ocorrem, geralmente, antes dos três anos de idade, como foi com Lucas também. Os autistas têm dificuldades de interagir com as pessoas, inclusive de maneira não verbal, possuem comportamentos esteriotipados, obsessão por partes de objetos, inflexibilidade em quebrar rotinas, problemas na dicção, risos em situações inapropriadas ou inesperadas, ausência ou pouca expressão facial e possibilidade de ser agressivos consigo ou com outras pessoas. (Para saber mais, clique aqui)


No Estado de São Paulo, há determinação da Justiça, datada dos anos 2000, de que o poder público deve garantir bolsa de estudos e tratamento para crianças autistas, visto que elas não podem ser absorvidas pela rede pública estadual e requerem atendimento especializado, tanto educacional como de saúde. (Para ver o texto da lei, clique aqui) A Secretaria de Estado da Educação tem mais de 30 entidades educacionais especializadas no atendimento a autistas, sendo que só em São Bernardo são quatro instituições credenciadas para esse atendimento. Em todo o Estado mais de seis mil crianças com autismo leve são atendidas nas escolas da rede estadual e aproximadamente 350 com autismo em grau mais elevado recebem atendimento em uma das instituições credenciadas.


Alba ficou sabendo da sentença que favorece seu filho por intermédio da escola na qual ele estuda. No entanto, tenta há quase um ano garantir o que é seu por direito, mas não teve resultados positivos até agora. É o que ela me conta antes de Lucas vir para a sala em que estamos a fim de posar para a sessão de fotos que ilustrará a matéria.


- Logo que entrei com o pedido na Secretaria de Educação, a resposta veio super rápido, em torno de 20 dias, já encaminhando o Lucas para uma escola que não tínhamos escolhido. Na verdade, o Estado manda todos os estudantes do ABCD para essa escola.

Alba refere-se a GAPI (Escola de Educação Especial de Ensino Infantil e Fundamental), também localizada em São Bernardo. O Estado afirma que ele é quem deve fazer a escolha pela instituição. Questionei os critérios, mas a resposta foi técnica: “o credenciamento da instituição se faz por critérios técnicos levantados pelo Centro de Apoio Pedagógico e pelas respectivas Diretorias de Ensino”, dizia a nota. Também questionei se a CrerSer era uma das escolas conveniadas, mas nada veio sobre isso no e-mail que me foi enviado.


Questões de adaptação
Mas por que a mãe não quer que Lucas vá para a GAPI? É fácil imaginar: o jovem estuda há mais de um ano na mesma escola. Autistas têm problemas de adaptação. Lucas apresentou alterações recentes quando mudou de casa com a família, e chegou até mesmo a ter convulsões. Trocá-lo de escola significaria sofrimento para ele e para os pais.


- No começo deste ano letivo ele também teve dificuldades para se adaptar aos novos professores aqui no CrerSer. Ele ficava agitado, não queria vir para a aula. Mas as professoras daqui tem especialização na área e sabem lidar com esses casos. Agora ele está mais tranquilo.


A questão da adaptação seria realmente um problema? Para tirar a prova, resolvi ligar para a GAPI e marcar uma visita. Quem me recebeu, com um sorriso nos lábios e cheia de pulseiras, brincos e colares balançantes, foi a diretora clínica da instituição, Gilda Pena de Rezende. A escola, sem dúvida, é muito maior que a CrerSer: cerca de 150 alunos estudam ali. No restante, no entanto, as escolas se parecem: são organizadas, há dois professores por sala de aula para cerca de oito alunos, e todos tem especialização na área.


Gilda faz questão de enfatizar seu currículo: é neuropsicóloga e já trabalhou no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Foi pioneira na educação especial em São Bernardo. Diz que o Estado a escolheu por causa da qualidade da instituição que ela gere, que tem mais de 20 anos no mercado. Pergunto, então, se ela acha que os autistas teriam dificuldades de adaptação ali. Em minha mente, ela responderia que não, que os profissionais poderiam lidar bem com isso e coisas desse tipo, e por isso a resposta me surpreende:


- Sim, eles teriam, até porque é uma característica da síndrome. Pais já me procuraram dizendo que adoraram a minha escola, mas que não querem tirar seus filhos, já adaptados, do local onde estudam. Eu digo que tenho certeza de que eles se adaptariam aqui também, mas claro que isso leva tempo, e alguns pais não estão dispostos a passar novamente por todo o transtorno de mudar o filho de escola.


É esse sofrimento que Alba, profissão mãe do Lucas, quer evitar.


- Me sinto revoltada, porque quero manter meu filho aqui e tenho esse direito. Imagina a dificuldade para mudar o Lucas de escola?


O tom de voz que Alba usa para falar sobre o assunto deixa claro seu instinto protetor em relação ao filho. A mãe sabe que ele precisa de cuidados especiais. Quando visitamos a sala de aula de Lucas, seus olhos brilham de orgulho.


- Ele se parece comigo, você vai reconhecer facinho!


Realmente Lucas tem os traços da mãe. Alba tem luzes no cabelo, mas é possível enxergar, por debaixo das mechas loiras, a mesma cor dos fios do menino. Os olhos também são parecidos, e até mesmo o formato dos rostos se confunde.


Lucas está entretido fazendo um desenho. Alba diz que o filho gosta de fotos, mas o menino fica um pouco retraído com a presença da fotógrafa que me acompanha. Por isso ela pede que ele vá até a sala na qual conversávamos antes. É lá que Lucas se senta ao meu lado e observa, à sua maneira, a continuidade de nossa conversa, já com gravadores desligados.


- Vou entrar na Justiça. Quero garantir o direito do meu filho de estudar no lugar que escolhi.


Alba me lembra uma leoa, capaz de fazer tudo por sua cria. Por mais que isso possa parecer clichê, é essa a imagem que vem a minha mente. Por estar disposta a tudo, é possível que a mãe consiga garantir um direito previsto em determinação judicial, mas não sem muita luta, como é de (mau) costume em terras tupiniquins.


A última questãoLucas assobia. Pega a tinta guache amarela e colore uma borboleta com a ajuda de uma professora. Estala a língua. Está mais a vontade com as fotos. Mesmo sem se comunicar, está feliz onde está. Para quê, então, tirá-lo dali?