terça-feira, 11 de maio de 2010

O observador

Fui fazer essa matéria no domingo de Dia das Mães. Acordei as 7h num domingo e fui cheia de pique encontrar o homem que tem um curioso apelido: Toninho das Orquídeas.

A matéria foi publicada aqui. Por falta de espaço na edição impressa do jornal, saiu com meros 1.400 caracteres. Mas pra quem frequenta esse humilde cantinho, há muito mais a saber sobre o tema. Trata-se de um alerta desesperado da mãe natureza. Precisamos ouvi-lo com urgência.

O observador


Para os olhos atentos de Toninho das Orquídeas, as nascentes da Serra do Mar estão sumindo


Por Camila Galvez

Foto: Antonio Ledes


No registro, Antonio Ialago. Na Serra do Mar, Toninho das Orquídeas. Aos 44 anos, magro, alto, bermuda bege de explorador, blusa preta de mangas longas, boné na cabeça e capa de chuva transparente, o homem tipo Indiana Jones sabe bem onde pisar. Não escorrega uma só vez, mas tem de dar a mão a esta repórter em várias ocasiões para evitar que ela se estatele no chão cheio de barro e poças d'água. Toninho pisa no solo escorregadio com a autoridade de quem anda ali desde os nove anos. E também com o desespero de quem acompanhou as mudanças que o clima vem provocando no bioma da Mata Atlântica, já tão ameaçado pelo desmatamento e a ocupação irregular de terrenos.

Antonio Ialago virou Toninho das Orquídeas por tentar proteger as flores que crescem sobre as árvores em direção ao sol, aproveitando-se de seus troncos e galhos para garantir a sobrevivência. Com sua fala rápida e ininterrupta, o ambientalista explica que removeu exemplares da mata para depois fazer a reposição da espécie.

- As orquídeas estavam desaparecendo porque as pessoas retiravam para vender. É difícil criar essa planta, e ela é cara, por isso a ganância do homem destruiu as flores que haviam na natureza. Comecei esse trabalho prevendo que isso aconteceria, portanto, consegui manter algumas unidades e promover o reflorestamento. Foi assim que ganhei o apelido.

Mas nem só de orquídeas vive esse ambientalista. Toninho conhece palmiteiros, ingazeiras, nascentes e riachos e faz um alerta: o aquecimento global está acabando com as nascentes da floresta no entorno de Paranapiacaba e região. A afirmação não é baseada em pesquisas científicas e métodos sistemáticos, mas na pura e simples observação praticada por um homem que nasceu em contato com a mata e que há 22 anos participa da Ong Caneco Verde (Clube dos Amigos da Natureza e da Ecologia), na qual atualmente ocupa o cargo de diretor de reflorestamento. Como um bom estudante, Toninho fez sua lição de casa: decorou a matemática da floresta. Ali, 23 riachos e córregos menos 15 é igual a oito, que foi o número que sobrou em apenas uma das trilhas que Toninho percorre como guia. Outra trilha tem matemática semelhante: oito cursos d'água menos seis igual a dois. Na subtração do homem das orquídeas, 21 nascentes deixaram de existir nos últimos 15 anos. E isso é só o começo.

Percorremos um pedaço de trilha embrenhados na mata. A chuva que cai em pingos finos, mas abundantes, não nos deixa avançar muito pelo barreiro. Em um trecho de cerca de 200 metros, passamos por um veio de água e uma cachoeira. Vejo água em abundância ali. Toninho explica:

- É a chuva. Quando chove a água corre, mas na época da seca o rio desaparece. Mesmo que haja água aqui, o que você está vendo não é nem a metade do que tinha antes.

- E vocês chegaram a medir essa quantidade, Toninho?

- É difícil medir com precisão, porque a região é bastante chuvosa. Mas observamos que os rios vem baixando cerca de 5 centímetros a cada ano. É um número preocupante.

As nascentes abastecem os rios que vão desaguar na represa Billings, o maior reservatório de água da Região Metropolitana de São Paulo, responsável por fazer sair o líquido mais precioso do Planeta Terra pelas torneiras de mais de 1,8 milhão de pessoas. Implantada na década de 1920 para produzir 33 mil litros por segundo de água, a represa está hoje no patamar de 11 mil litros por segundo. Mais uma vez a matemática da floresta entra em ação para constatar que o reservatório opera com apenas 1/3 da capacidade inicial. Os motivos? Poluição das águas por esgoto doméstico e industrial e o desmatamento, responsável pelo assoreamento e desaparecimento de nascentes d'água que alimentam o reservatório. Quem diz isso não sou eu nem Toninho, e sim o Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), que realizou pesquisa sobre o tema em 2008.

Um exemplo da redução do volume de água dos rios que abastecem a represa pode ser visto na Fazenda Taguaruçu, território localizado no município de Mogi das Cruzes. É nela que, ao lado de uma igrejinha construída pela família de italianos proprietária do terreno em 13 de dezembro de 1945, vemos algo que um dia foi um rio, e hoje mais parece um filete de água que escorre de uma torneira com defeito. Os donos da fazenda construíram um sistema para fazer com que a força da água do rio operasse uma máquina para cortar madeira hidráulica. Hoje a máquina jaz ao lado do chão meramente molhado por onde corre mais água de chuva que de um rio propriamente dito.

- Minha mãe brincava nessa fazenda quando era criança e vivia levando bronca dos caseiros para sair de perto do rio. Era perigoso, porque se alguém caísse nele, poderia se afogar. Hoje não dá nem para molhar os pés.

O sorriso de Toninho é um sorriso triste de quem luta demais e vence pouco. Diante de tanta indiferença, o homem das orquídeas não desiste de fazer seu apelo:

- Precisamos diminuir o uso de combustíveis fósseis e a emissão de gás carbônico na atmosfera. Se não fizermos isso, os rios podem desaparecer, o que prejudicaria nossa própria vida.

O alerta é geral e urgente, mas parece que a população ainda não conseguiu enxergar o que os olhos castanhos de Toninho se cansaram de ver. Será preciso que a torneira seque. E se chegarmos nesse ponto, pode ser impossível voltar atrás.

Um comentário:

  1. conhecemos o Toninho ontem , fomos fazer uma trilha em Paranapiacaba , e percebemos como temos tanto e não cuidamos de nada , ele é sensacional, fala devagar e nos pensar muito .

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