segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ao natural

O texto de hoje vai para as mamães, as que já são ou as que pretendem ser no futuro. Acompanhei a reunião do Grupo MaternaMente no início deste ano, num sábado muito gostoso. O texto, infelizmente, não entrou assim no jornal, mas a versão de Jornalismo Literário merece ser publicada. E quem ganha são vocês!

Ao natural


A história de três mulheres e sua relação com o parto


Por Camila Galvez

Foto: Antonio Ledes

Deborah Delage planejou ter sua primeira filha por meio do parto normal. Desde pequena convivia com a mãe, enfermeira obstetra, que sempre comentou sobre os benefícios de vir ao mundo por meios naturais. Deborah cresceu ouvindo o mesmo discurso, formou-se dentista, mas não se esqueceu dos ensinamentos da mãe. Enquanto estava grávida, planejou-se para que seu grande momento pudesse ser realizado da forma que sempre sonhou. Pequena e magra, Deborah não se importava com a questão física: tinha certeza de que daria conta. Seus olhos não negam: transmitem força e determinação, assim como seu sorriso. No entanto, seu sonho foi barrado por aquilo que ela chama de “sucessão de intervenções desnecessárias”. Deborah teve sua filha por meio de uma cesariana.

A situação se repete hoje de forma assustadora: 57% dos partos realizados em 2008 no Estado de São Paulo foram por meio de intervenções cirúrgicas, diz a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). No País, dados de 2009 do Ministério da Saúde apontam que as cesarianas correspondem a 35% dos partos na rede pública. A OMS (Organização Mundial da Saúde) indica taxa ideal em torno de 7% a 10%, não ultrapassando 15%. Na Holanda, a proporção é de 14%, nos Estados Unidos 26%, no México 34% e no Chile 40%. Os números servem para demonstrar que o significado de parto natural não é correto na sociedade de hoje. O que é considerado natural por médicos e mulheres do século XXI é marcar uma data, cortar pele, músculos e útero e arrancar o bebê à força. Os médicos preferem assim por conveniência. As mulheres, por medo.

Estudos demonstram que fetos nascidos entre 36 e 38 semanas, antes do período normal de gestação de 40 semanas, têm 120 vezes mais chances de desenvolver problemas respiratórios que necessitam de internação. Além disso, na cesárea há uma separação abrupta e precoce entre mãe e filho, num momento primordial para estabelecimento de vínculo. Para as mães, as cesáreas significam mais chances de sofrer hemorragia ou infecção no pós-parto e uma recuperação mais difícil.

Tentando mudar essa realidade, Deborah acabou por se voltar, além dos dentes, para outra parte do corpo, essa exclusivamente feminina: o útero. Passou a militar como educadora perinatal e criou o grupo MaternaMente, que se reúne todos os meses para discutir e incentivar o princípio do parto ativo.

- O objetivo principal é disseminar informações de qualidade e de modo acessível para que as mulheres e suas famílias possam compreender e viver a gestação e o parto como eventos naturais, que demandam atenção e apoio, e não intervenções desnecessárias.

Parece discurso pronto, mas Deborah o tem na ponta da língua. Por meio do grupo, ajuda mulheres a entenderem melhor as transformações do corpo e a se colocar como agentes ativas tanto durante a gravidez quanto no momento do parto. Em uma das reuniões do MaternaMente, realizada na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, no mês de março, reuniu na sala de sua casa Aline Elise Gerbelli Belini, 30 anos, dois filhos, e Erika Mattes Bittencourt, 28 anos, aguardando sua primeira filha.

Em casa

Aline conseguiu escapar das estatísticas ao ter o primeiro bebê por meio do parto normal, no hospital. Mas foi além quando o segundo filho veio ao mundo em casa, como auxílio de uma parteira. A experiência Aline conta com o rosto iluminado, enquanto tenta acalmar o irrequieto Pedro, de três meses, sentado em seu colo. O pequeno morde os dedos da mãe, sorri e chora sem aviso, reclamando atenção. A mãe se encanta com cada movimento, com cada gesto, com o vínculo que criou com a criança que nasceu por meios naturais, deixando marcado na lembrança e na pele um momento inesquecível. Exatamente por não ter sido tão simples e fácil é que Aline se recorda com carinho do momento em que ouviu pela primeira vez o choro do filho.

- Queria que ele nascesse na banheira, mas não me senti confortável no momento do parto e optei em deixar a água e ir para a cama, onde me senti mais segura.

- E como foi quando ele finalmente nasceu?

- O Pedro estava com o cordão enrolado no pescoço, mas a parteira que escolhi estava preparada e soube lidar com isso, que é até comum nos partos. Se você tem ao lado uma pessoa experiente, que te tranquiliza, tudo é mais bonito. Aproveitei cada segundo e recomendo.

Para não assustar amigos e parentes, Aline preferiu não comentar com alguns deles sobre a escolha. A mãe e o pai ficaram sabendo nos últimos momentos, quando já não havia como voltar atrás.

- Depois que o Pedro nasceu, conto para todo o mundo que fiz o parto em casa. As pessoas ficam admiradas e elogiam, mas tenho certeza que se tivesse contado antes, as mesmas pessoas poderiam ficar assustadas.

Erika acompanha a história sem deixar de acariciar a barriga de oito meses um momento sequer. Ali dentro cresce Alicia, sua primeira filha, que traz à futura mamãe um misto de ansiedade e alegria evidente em seu olhar. Apesar de demonstrar calma e ter a fala mansa, Erika deixa transparecer nos gestos que é uma mulher determinada.

- Quero fazer parto normal também, mas em hospital. Visitei um deles em São Bernardo, mas não me senti à vontade. O funcionário que me apresentou o complexo enfatizou demais a infraestrutura, e de menos a questão humana. Chegou a me dizer que o médico decide, a partir do oitavo mês, se a criança nascerá de parto normal ou de cesariana.

As mulheres da sala ficam indignadas. Deborah acredita que esse comportamento se tornou tão comum porque a cesárea é mais conveniente para o médico, e não por questões de saúde.

- Muitos médicos não querem esperar o bebê decidir a hora certa de vir ao mundo. Para eles é mais conveniente fazer a cirurgia. Quem vai lidar com isso depois é a mulher, que sofrerá as consequências da anestesia e do pós-operatório.

Deborah, então, mune-se de seu kit: uma simulação do aparelho reprodutivo da mulher feita de pano e um cartaz que contém informações sobre partos. Explica assim à mamãe de primeira viagem que o procedimento cirúrgico só é indicado, durante o pré-natal, em casos de placenta previa, herpes genital com lesão ativa na hora do parto, bebê transverso (atravessado no útero) e no caso de mulheres com algum tipo de cardiopatia. Durante o parto, também é possível identificar a tempo casos em que se faz necessária a intervenção cirúrgica, tais como prolapso de cordão (quando o cordão umbilical sai antes da cabeça do bebê), descolamento prematuro da placenta, eclâmpsia (perda de proteína que só pode ser revertida ao cessar a gravidez) e ruptura de vaso uterino de grande calibre.

No hospital

No fim de abril, Erika entrou para a lista das mulheres que escaparam de procedimentos cirúrgicos e viveram o momento do parto intensamente. Alicia veio ao mundo no hospital no dia 22 de abril, de parto normal, com médico plantonista. Sonho realizado.

Um comentário:

  1. Camila... ela nasceu sim!
    Linda, sorridente, e normal!
    com 51 Cm, 3.610.. o maior bebe da maternidade... e fui eu quem pariu!
    Um beijo! Parabens pelo blog!
    Erika

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