sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sushi

Esse texto não se trata de uma reportagem, mas de um exercício que fizemos durante a aula de Escrita Total na ABJL, ministrada pelo professor Edvaldo Pereira Lima. Super recomendo o método, que mistura técnicas de escrita com as pesquisas mais avançadas sobre neurologia e comportamento humano.

Para se ter uma ideia (sem acento), esse texto foi escrito em 12 minutos, durante os quais eu não podia parar de escrever por nem um segundo. Antes de produzi-lo, fiz um mapa mental com a palavra sushi ao centro e com outras palavras que esta primeira me lembrava. Então, quando escrevi o texto, a coisa fluiu de tal forma que saiu isso aí, que vocês vão ler abaixo praticamente da forma como eu escrevi, corrigindo apenas eventuais erros de português, porque não podemos nos preocupar com isso enquanto praticamos a escrita rápida (nome desse método).

Aí vai:

Sushi

Por Camila Galvez


Foto: Camila Galvez

Ele gostava de sushi, e era quase um ritual obsessivo. Toda sexta-feira à noite, saia da aula e rumava para o restaurante pequenino e quase sempre vazio naquele horário. Observava o sushiman preparar o rolinho, primeiro a alga, depois o arroz e por fim o peixe. Sentia cheiro de areia e de mar e de infinito enquanto observava o colorido do peixe se juntar ao branco do arroz e o escuro da alga.

Não gostava de molhos nem de nada que atrapalhasse o sabor. Achava um crime encharcarem o sushi com shoyu. Como ficava a experiência do sabor inusitado se se quebrasse o encanto molhando o arroz? Não, não era japonês, tampouco do Oriente, mas tinha certeza que em uma de suas muitas vidas havia vivido por lá.

Ele julgava gostar tanto e apreciar tanto aquela arte milenar simplesmente porque ela o lembrava da força do mar. Imperioso, poderoso, ruidoso, regido pelas mares. Mesmo diante de tanta força e poder, sabia ser simples ao abrigar a vida do peixe que serviria depois de alimento par ao homem. O mar, que era tão grande, ficava pequeno ali, naquele diminuto rolinho de sushi. Mas para ele era exatamente aí que morava a graça de se alimentar dessa forma e, de alguma maneira, sentir-se conectado com o mar.

Sabia que era uma espécie de amor, um estranho amor que, como uma donzela das antigas, fazia com que ele retornasse todas as sextas-feiras para sentir o som e ouvir o gosto do mar nos sushis. Era dessa forma única que conseguia sentir-se conectado consigo mesmo. Ia sempre só, para observar rodas de amigos que esporadicamente apareciam por lá e reclamavam da demora. Ele entendia. Não tinha pressa. Sabia que o preparo de um alimento que traz tanto simbolismo e tanto movimento cultural tendia mesmo a demorar. Não se importava. Esse era o seu ritual. Olhar o colorido, sentir o sabor, cheirar o mar, tocar os palitinhos que, mesmo depois de tanto tempo, ainda sentia dificuldades em segurar.

Quando provava um novo sushi, invariavelmente sentia-se naquele mesmo mar. Não era exatamente o sabor o responsável pela sensação, ele sabia, mas sim o simbolismo implícito naquele simples ato de abrir a boca e degustar. Todos os seus sentidos eram avivados pelo alimento, mas era o cheiro de mar que se fazia mais presente, mais intenso, mais forte, fazendo com que se lembrasse de tudo o que já vivera nas poucas oportunidades que tivera de estar diante da imponência do mar, de suas ondas quebrando e fazendo espuma e arrastando tudo o que estivesse pelo caminho em noite de tempestade.

O sushi era a prova de que algo continuava vivo dentro dele. O colorido era a prova de que as coisas voltariam a fazer sentido. O sabor era o gosto que ele gostaria de ter pela vida. Tudo ali, concentrado num pequeno rolinho que trazia consigo tantas lembranças, tantos sabores, tantas vidas.

Chamassem-no louco, ele não se importaria. Era movido pela água, pelo mar, pelo sushi das sextas-feiras. Por que só às sextas? Não sabia. O que podia afirmar com certeza é que o sushi tinha sabor de mar, amor e saudade. Não se culpava mais. Apenas apreciava. Era aquilo, na verdade, que o fazia continuar. E lembrar-se da forma como ela costumava sorrir quando, às sextas-feiras, ele aparecia feliz em sua casa e a convidava simplesmente para ver o mar pelos olhos de um sushi.

Um comentário:

  1. Achei demais o texto. Como sempre me deixou os olhos cheios de lágrimas.
    Parabéns por ter este dom tão maravilhoso...
    Bjs
    Lully

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